Natalidade

América Latina registra a maior queda na fertilidade do mundo

Até o final do século, a ONU projeta que as taxas da região serão equivalentes às da Europa

Grávida - @margarita88/Freepik

Para a colombiana Diana Prado, a maternidade está longe de ser um sonho. Aos 37 anos, a desenhista industrial acredita que “o mundo está muito difícil para trazer mais gente” e prefere cultivar outros planos, como fazer uma especialização, ajudar os pais e viajar. Embora por muito tempo o papel de mãe tenha sido a principal função esperada de uma mulher na sociedade, elas têm optado cada vez menos por seguir esse caminho na América Latina.

De acordo com as Nações Unidas, a região e o Caribe registraram em 2024 a maior queda nos índices de fertilidade do mundo, com um declínio de 68% nos nascimentos hoje em comparação com os anos 1950, quando os índices eram similares ao da África. Até o final do século, a ONU projeta que as taxas da região serão equivalentes às da Europa.

— A maternidade é uma responsabilidade enorme, é algo muito bonito, mas nem todas as mulheres nasceram para ser mãe — conta Prado ao GLOBO, afirmando que prefere direcionar suas atenções a projetos pessoais e à sobrinha de 5 anos. — Trazer um filho ao mundo é muito caro, e é muito difícil encontrar emprego depois de dar à luz. Os salários na Colômbia já são desiguais, as mulheres ganham muito menos do que os homens. Se ela for mãe, é ainda pior.


Nesta semana, a Colômbia registrou o menor número de nascimento da última década, enquanto o Chile se tornou o país com a menor taxa de fecundidade das Américas — abaixo até mesmo da Itália e do Japão, que convivem há tempos com este desafio.

'Antinatalismo'

Segundo analistas ouvidos pelo O GLOBO, diversos fatores explicam o fenômeno. Se por um lado hoje há mais possibilidades para além da maternidade, por outro, essa queda não se traduz, necessariamente, em avanços para as mulheres latino-americanas.

Para muitas, resistir ao papel de mãe pode ser até mesmo uma forma de protesto. No Chile, a esterilização feminina aumentou 54% na última década, aponta o Ministério da Saúde.

— Senti que havia muita maldade no mundo, muita injustiça e aderi ao ‘Antinatalismo’, filosofia que defende que não é ético ter filhos biológicos no mundo como está — explicou à AFP a bancária chilena Isidora Rugeronni, de 25 anos, que decidiu se esterilizar aos 21. — Posso fazer um ativismo muito mais forte e impactar a sociedade como uma mulher sem filhos biológicos, e isso me permitirá ter um lar de acolhimento e adotar todos os animais que eu quiser.

Hoje, a média de filhos por mulher na América Latina e no Caribe é de 1,8 — abaixo dos 2,1 necessários para que a população mantenha seu tamanho. Um dos aspectos que ajudaram a puxar a média para baixo foi a queda no índice de gravidez na adolescência, historicamente alto na região.

Embora o continente ainda tenha a segunda maior taxa de maternidade precoce do mundo, atrás apenas da África Subsaariana, a ONU aponta um declínio acentuado nas últimas duas décadas. Em 2010, para cada mil meninas de 15 a 19 anos, havia 73,1 filhos. Neste ano, o número caiu para 50,5 filhos.

— Para as mulheres adolescentes e jovens, ainda há desafios significativos no acesso à educação e ao emprego que refletem na taxa de gravidez na adolescência — aponta Diana Rodriguez Franco, conselheira de Gênero & Diversidade da Presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). — Países como Guatemala, Honduras e Bolívia ainda têm taxas mais altas do que outros e, em particular, as mulheres indígenas nas áreas rurais têm taxas mais altas do que a média.

Transição tardia

De acordo com o demógrafo José Eustáquio Diniz, a América Latina vive tardiamente uma transição demográfica que começou primeiro nos países altamente industrializados. Segundo Diniz, esse processo é fruto, sobretudo, das mudanças no mercado de trabalho e dos avanços na medicina, que permitiram mais oportunidades de educação e de emprego às mulheres, além do amplo acesso a métodos contraceptivos.

O fenômeno, porém, tem como principal consequência o envelhecimento populacional no longo prazo, desafiando o futuro dos sistemas de bem-estar social da região.

— Há quem diga que essa queda na taxa de fecundidade vai prejudicar muito os países, mas eu não vejo vantagem em ter uma população tão grande. Vários países estão com a população diminuindo e as condições de vida e o meio ambiente estão melhorando. Desde que você organize as políticas públicas, eu não vejo problema — pontua Diniz.

Por outro lado, o envelhecimento populacional também adiciona novos obstáculos às mulheres, pontua Franco, já que são elas as maiores responsáveis pela assistência aos idosos.

A disparidade de gênero na chamada economia de cuidado — conjunto de tarefas, remuneradas ou não, envolvidas no cuidado de outras pessoas — pode fazer com que certos avanços, que permitiram às mulheres vislumbrarem outras alternativas além da maternidade, retrocedam.

— Esse quadro de envelhecimento e demanda por cuidados é relevante em termos de equidade de gênero, considerando que as mulheres representam mais de 70% da força de trabalho de cuidados e, globalmente, gastam três vezes mais tempo com cuidados não remunerados e trabalho doméstico do que os homens — avalia a conselheira do BID. — A sobrecarga de cuidados não remunerados limita sua participação no mercado de trabalho, afeta sua saúde mental e tem efeitos negativos sobre os resultados educacionais e o desenvolvimento da carreira das mulheres.

Na avaliação de Valentina Sader, vice-diretora do centro para América Latina do Atlantic Council, há muitas políticas públicas que podem ser postas em pauta para minimizar os impactos da queda da natalidade na região, mas é preciso pesar seus efeitos nos direitos adquiridos das mulheres sobre ter ou não filhos. Uma alternativa que já vem sendo adotada, segundo Sader, é o incentivo à imigração.

— Em vários lugares se discute a questão migratória como uma possibilidade para reverter a baixa fecundidade. A abertura de fronteiras, de forma controlada, pode ser uma ferramenta para ajustar essa disparidade que teremos no futuro quanto à população mais velha.

Desafio x oportunidade

Franco, porém, avalia que o envelhecimento populacional pode representar também uma oportunidade de desenvolvimento para os países, na medida em que o investimento na economia do cuidado é capaz de gerar milhões de empregos.

Além disso, políticas voltadas para atender às necessidades dos idosos, conhecidas como “Silver Economy”, também colaboram com a resposta do Estado, por exemplo, por meio da adaptação de moradias e de soluções de atendimento à domicílio.

— Hoje, o trabalho de cuidado não remunerado representa, em média, mais de 21% do PIB na América Latina e no Caribe. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, um investimento de US$ 1,3 trilhão (R$ 7,3 trilhões) em empregos relacionados à economia do cuidado retornaria US$ 3,1 trilhões (R$ 17,4 trilhões) em PIB — afirma. — Na União Europeia, por exemplo, a Silver Economy chegou a 3,7 trilhões (R$ 20,7 trilhões) de euros em 2015. No Japão, ela é responsável por metade de todo o consumo e ultrapassou US$ 1,1 trilhão (R$ 6,17 trilhões).

Para Franco, no entanto, é preciso que os países latino-americanos também modernizem os seus sistemas previdenciários diante da nova conjuntura:

— Nenhum país está imune. Os gastos públicos com aposentadorias na região, que equivalem a 4,9% do PIB, continuarão a aumentar, o que pode diminuir o investimento em outras áreas prioritárias, como saúde, infraestrutura e educação — analisa, alertando também para o risco de “aumento da pobreza na velhice”.