RIO DE JANEIRO

Laboratório investigado por erros em testes de HIV foi contratado para fazer 1,7 mi de exames no RJ

Contrato que abrangia 13 unidades de saúde foi suspenso após escândalo de contaminação

Operação no Laboratório PSC, que resultou no transplante de seis órgãos contaminados com HIV - Rafael Campos/Polícia Civil do Rio

Após a revelação de que seis transplantados foram infectados com HIV devido a erros na sorologia, o laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS Saleme) foi fechado e quatro de seus funcionários tiveram a prisão decretada. Levantamento feito pelo Globo mostra que essa empresa foi contratada pela Fundação Saúde, vinculada ao governo do estado, para realizar mais de 1,7 milhão de exames em 18 unidades da rede pública no período de quase dois anos.

A PCS assinou três contratos com o estado, sendo que dois, referentes a quatro UPAs e ao Hospital Estadual Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu, já chegaram ao fim. Eles foram firmados no ano passado e tinham duração de 180 dias, cada. O maior deles envolve a prestação de serviço em 13 unidades, como o Hospital Estadual Carlos Chagas e a Central Estadual de Transplantes.

A previsão era a realização de 85 mil exames por mês, totalizando mais de um milhão no período de um ano. Neste contrato, cerca de 15 mil exames eram testes rápidos de HIV1 e HIV2, assim como testes de triagem para HIV e de pesquisa de anticorpos anti-HIV, o exame conhecido como Elisa.

Em busca de substituto
Esse contrato maior, que iria até o fim de novembro, foi suspenso pelo estado após o escândalo da contaminação dos transplantados. E, diante desse volume tão grande de exames, o governo tem em mãos o desafio de suprir essa carência. Em nota, a Fundação Saúde informou que os exames pedidos pela Central Estadual de Transplantes estão sendo feitos pelo Hemorio e que os demais foram “temporariamente reorganizados” entre outros laboratórios.

Só que, na prática, com a saída do laboratório envolvido no escândalo, a demanda nem sempre está sendo suprida. Conforme noticiou o RJ2, da TV Globo, um comunicado assinado por Fabio do Vale, diretor administrativo do Hospital Estadual Eduardo Rabelo, em Senador Vasconcelos, na Zona Oeste, os serviços laboratoriais estão suspensos temporariamente na unidade. A exceção são os testes de pacientes internados: o sangue é colhido, para ser analisado no Hospital Getúlio Vargas.

Até agora não foi escolhida a empresa que fará os exames. Um ofício da diretoria administrativa financeira da Fundação Saúde — encaminhado na última quinta-feira para outro setor — cita a “máxima urgência” em convocar os demais licitantes do pregão vencido pelo PCS Saleme, levando em conta a ordem de classificação. A lista, exibida pelo RJ2, tem seis empresas, inclusive a vencedora.

A ideia do governo é escolher, pela ordem, uma que aceite assumir o serviço deixado pela PCS Saleme, que venceu a licitação ao conceder um desconto de 37,01%. A segunda colocada, a Rocha e Fonseca Diagnósticos Laboratoriais, ofereceu, na época, uma redução de 37%: segundo a Secretaria estadual de Saúde, a empresa já foi convocada.

Sobre o PSC Saleme, a Secretaria estadual da Saúde informou que a empresa “não presta mais serviços para a rede estadual” e que será realizada uma contratação emergencial. O contrato com o laboratório investigado era de cerca de R$ 11,5 milhões e, agora, o substituto vai receber R$ 70 milhões por um ano, valor seis vezes maior. Antes do escândalo, a área técnica da Fundação Saúde já estava planejando uma licitação com esse montante porque avaliava ser necessário quadruplicar o número de exames feitos pelas unidades. Além disso, estava em estudo criar um aditivo para o PSC Saleme fazer mais análises laboratoriais dentro do atual contrato e receber mais por esse acréscimo.

Dentro do governo, os trâmites para escolher o laboratório responsável pelas 13 unidades estava em andamento havia quase quatro meses. Em 20 de junho, a coordenadora de Integração Adriana de Souza, da Fundação Saúde, alertou que seria preciso fazer um novo pregão para escolher a empresa e ainda destacou que o processo de licitação deveria ocorrer com celeridade, visto que o serviço prestado (a realização exames de sangue) é indispensável para a rede.

Trâmite lento
Em 1º de julho, foi feito então um Estudo Técnico Preliminar, que estimou a necessidade do novo pregão para atender 13 unidades: seriam 4,5 milhões de exames em um ano, por cerca de R$ 70,3 milhões. Três dias depois, a diretora administrativa Alessandra Pereira deu a autorização para seguir com a licitação. Porém, o processo ficou sem qualquer andamento até 19 de setembro, quando já existia a investigação da Secretaria de Saúde sobre a infecção dos transplantados.

A Fundação Saúde argumenta que o processo não ficou parado, mas passava por ajustes. “O procedimento é comum antes da publicação final de um edital”, explicou a empresa estadual, que menciona que essa fase é aquela em que a área técnica revê valores e readéqua os serviços a serem prestados. Já a Secretaria estadual de Saúde afirmou em nota que esse "valor de R$ 70 milhões não estará no edital e não é o preço estimado para o serviço".

No entanto, ainda de acordo com a pasta, "não há definição de valores no momento e o modelo será pregão com menor preço" e que "qualquer informação nesse sentido é precipitada".

Ainda sobre o valor do contrato, a secretaria esclarece que o edital "terá que passar por essas fases de elaboração", já que a Central Estadual de Transplantes ficará de fora do contrato. A unidade seguirá com o Hemorio como "responsável pelas análises sorológicas dos doadores de órgãos".