RIO DE JANEIRO

Órgãos infectados: investigada por laudo negativo para HIV, técnica não poderia assinar documento

Jacqueline Iris Barcellar de Assis foi presa pelo esquema sob investigação sobre o laboratório PCS Lab Saleme

Operação no Laboratório PSC, que resultou no transplante de seis órgãos contaminados com HIV - Rafael Campos/Polícia Civil do Rio

A funcionária Jacqueline Iris Barcellar de Assis, de 36 anos, — investigada no inquérito da Delegacia do Consumidor (Decon) que tem como figura central o laboratório PCS Lab Saleme — cuja assinatura aparece em um dos laudos que atestaram que os doadores de órgãos não tinham HIV não pode assinar tais documentos.

Ela possui formação técnica em laboratório, assim, a compete "auxiliar nas rotinas laboratoriais, sempre sob a supervisão de um profissional de nível superior habilitado", destaca o Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ).

O órgão confirma que Jacqueline possui inscrição ativa no conselho como técnica em laboratório. No entanto, não tem formação em Biomedicina, como teria se apresentado ao laboratório, incluindo o envio de um diploma, que foi negado pela instituição de ensino. Alvo de um dos quatro mandados de prisão preventiva da Operação Verum, deflagrada pela Polícia Civil na última segunda-feira, a funcionária se apresentou no início da tarde de terça-feira.

Em entrevista ao Globo, no último domingo, Jacqueline reconheceu que as rubricas nos documentos são suas, mas negou qualquer envolvimento no caso. Ela disse que sequer é biomédica. O número de registro no Conselho Regional de Biomedicina (CRBM) que consta no documento como sendo dela é de outra pessoa, que mora fora do Rio e não exerce mais a profissão, como mostrou a TV Globo.

Já o laboratório PCS Lab Saleme afirma que Jacqueline se apresentou como biomédica, e, em uma troca de mensagens datada de agosto, a funcionária apresenta um certificado de que seria biomédica. Entretanto, os laudos com a assinatura dela são de maio.

O laboratório PCS Lab Saleme disse em nota que a funcionária "induziu o laboratório a crer que ela tinha competência para assinar laudos" ao apresentar " documentação inidônea (um diploma de biomédica não reconhecido pela universidade Unopar Anhanguera e uma carteira profissional com habilitação em patologia que utiliza o registro de outra pessoa)".

No documento, entregue por Jacqueline ao PSC Lab Saleme, consta que houve a conclusão do curso de Biomedicina, na Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Procurada, em nota, a instituição de ensino negou: "A Instituição não emitiu certificado de conclusão de curso de graduação, de qualquer natureza, para Jacqueline Iris Bacellar de Assis". A informação foi dada pelo g1 e confirmada pelo Globo.

O CRF-RJ destaca que um profissional de nível técnico, como técnico em laboratório, pode auxiliar nas rotinas laboratoriais, desde que sob a supervisão de um profissional de nível superior habilitado, este podendo ser farmacêutico, médico, biomédico ou biólogo, uma vez que estejam devidamente registrados em seus conselhos profissionais. Assim, destaca o órgão, "a assinatura de laudos deve ser realizada exclusivamente por profissionais de nível superior".

O conselho ainda destaca as condições do laudo para ter a assinatura validada:

"O laudo deve ser legível, sem rasuras de transcrição, escrito em língua portuguesa, datado e assinado por profissional de nível superior legalmente habilitado, determinações de acordo com a resolução RDC Nº 786, de 5 de maio de 2023, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)".

Jacqueline disse ao Globo, no último domingo, que nunca teve registro como biomédica e que o nome dela foi usado pelo laboratório. Ela contou que foi contratada, em outubro de 2023, como supervisora administrativa com salário mensal de R$ 1.600 e só teve a carteira assinada em setembro deste ano. Ela negou qualquer envolvimento com o caso e explicou que as assinaturas eletrônicas foram coletadas pela empresa assim que assumiu o cargo técnico e que esse era um procedimento padrão para todos os funcionários.

Ela afirmou ainda que sua formação, de 2008, é de técnica de análises laboratoriais, o que não permitiria um registro de nível superior.

O advogado José de Arimatéia Félix, que assumiu a defesa de Jacqueline no sábado, afirma que sua cliente foi contratada para funções administrativas, com a promessa de que assumiria uma vaga técnica no laboratório. Segundo ele, a assinatura presente nos documentos investigados foi inserida sem o conhecimento e consentimento de Jacqueline, que também seria vítima da situação. Ele ainda não teve acesso ao boletim de ocorrência, o que deve ocorrer somente hoje.

— Ela já atuou como técnica de laboratório em outras ocasiões, mas nesta empresa nunca desempenhou essa função. Apenas tinha acesso aos dados dos pacientes e encaminhava os exames para a assinatura final dos médicos responsáveis. Recebeu a promessa de que, assim que surgisse uma vaga nesse setor, seria dela, mas isso nunca aconteceu — afirmou o advogado.