Fiocruz envia ao Ministério da Saúde pedido para produzir vacina da dengue no Brasil
Solicitação envolve acordo de transferência de tecnologia do imunizante Qdenga com a farmacêutica japonesa Takeda
A Fundação Oswaldo Cruz ( Fiocruz) submeteu ao Ministério da Saúde o pedido para a realização de um acordo de transferência de tecnologia da vacina contra a dengue Qdenga com a farmacêutica japonesa Takeda, responsável pela dose.
O processo tem como objetivo permitir a produção nacional do imunizante pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz (Bio-Manguinhos), ampliando o número de vacinas disponíveis para a campanha na rede pública.
A informação foi revelada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Globo. Em nota, a Fiocruz disse ter realizado a formalização do pedido à pasta da Saúde e que “mais informações poderão ser detalhadas após a avaliação da proposta encaminhada”.
Em março, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, já havia falado que a fundação e a Takeda estavam “no caminho” para o acordo. Em entrevista ao GLOBO, em junho, o presidente da farmacêutica no Brasil, José Manuel Caamaño, disse que a pasta “sempre esteve aberta à possibilidade de parcerias”, mas que havia “uma questão de capacidade” da Fiocruz, que estaria “fazendo investimentos para aumentá-la”.
O tipo de acordo de transferência de tecnologia proposto pela fundação ao Ministério é uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), modalidade que foi implementada no país em 2014 para reduzir as dependências produtivas e tecnológicas e ampliar o acesso da população a produtos estratégicos no Sistema Único de Saúde (SUS).
É um processo que já foi utilizado diversas vezes por Bio-Manguinhos para a produção medicamentos protegidos por patente e semelhante ao acordo que foi feito durante a pandemia da Covid-19 com a farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca para produzir a vacina contra o novo coronavírus 19 no Brasil. Na época, porém, foi utilizada uma modalidade chamada de Encomenda Tecnológica (ETEC), indicada em situações de emergência, em que há um risco tecnológico maior.
No caso da PDP, segundo Bio-Manguinhos, há quatro etapas a serem seguidas após a submissão do pedido ao Ministério da Saúde. A primeira envolve a avaliação da solicitação pela pasta e a decisão sobre o prosseguimento do acordo. Em seguida, as outras fases englobam a absorção e transferência da tecnologia em si e a sua internalização no instituto da Fiocruz.
No entanto, o presidente da Takeda lembrou que o processo não é rápido: — Não se faz em um, dois anos, é um processo de mais longo prazo — disse ao Globo. A Fiocruz não respondeu sobre as perspectivas em relação ao tempo necessário para concluir a transferência. Procurados, o Ministério da Saúde e a Takeda não responderam até a publicação da reportagem.
A produção da vacina Qdenga no país será importante especialmente devido à limitada capacidade produtiva da Takeda para atender a alta demanda do Brasil, que bateu recorde de casos e mortes por dengue em 2024.
O imunizante, primeiro que pode ser aplicado em larga escala, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março do ano passado para pessoas entre 4 e 60 anos. No mesmo ano, a dose foi incorporada pelo Ministério da Saúde no SUS e , em março de 2024, o país deu início à campanha pioneira no mundo.
Nos estudos clínicos, as duas doses, aplicadas com um intervalo de três meses entre elas, demonstraram uma eficácia geral de 80,2% para evitar contaminações, e de 90,4% para prevenir casos graves.
Mas, pelo baixo quantitativo de doses, a campanha neste ano foi direcionada a crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que, de acordo com o ministério, concentra o maior número de hospitalizações por dengue depois de pessoas idosas – que não podem ser vacinadas pelo aval da Anvisa ser apenas até 60 anos.
Além do critério etário, a pasta da Saúde também restringiu a oferta a uma lista de municípios com população igual ou superior a 100 mil habitantes e com alta transmissão de dengue.
Ao todo, para este ano, o acordo com a Takeda envolveu o fornecimento de 6,6 milhões de doses para o governo brasileiro, o máximo possível ofertado pela farmacêutica. Para o ano que vem, foram contratadas mais 9 milhões de unidades.
Além da produção da Qdenga pela Fiocruz, outra perspectiva no horizonte para ampliar o acesso à proteção é o aval de uma dose brasileira desenvolvida pelo Instituto Butantan, que está na fase final dos testes clínicos. A expectativa é que o pedido de aprovação seja enviado à Anvisa ainda neste ano.
Nas pesquisas, a vacina, de dose única, ofereceu uma proteção de 67,3% contra a infecção e de 89% contra casos graves e com sinais de alarme mesmo após 3,7 anos da aplicação, segundo os dados mais recentes publicados na revista científica The Lancet Infectious Diseases.