opinião

A genialidade criativa para vender paz, sutiãs e palhas de aço 

"Como contar um monte de mentiras dizendo só a verdade" (mote de uma vitoriosa campanha publicitária criada por Washington Olivetto, que usou foto de Hitler como pano de fundo, para traduzi-la).

O Brasil perde mais uma das suas figuras geniais. E a gente, que fica e segue do lado de cá, parece sustentar aquela sensação de que certos mortais não deixam moldes, por mais que mereçam serem tratados como imortais.

O que dizer, então, da perda de Washington Olivetto? Justo ele, o "operário da indústria criativa", que muitos sempre o trataram como o "Pelé da publicidade"? Agora, do lado de lá, onde reluzem grandes estrelas, bem pertinho do próprio Rei. Faz todo sentido. Craque versátil, Olivetto jogou em todas as canchas, de modo que títulos e conquistas não lhe faltaram. Seu talento criativo vendeu de tudo que foi diferente. Do primeiro sutiã até as mil e uma utilidades da palha de aço. *Golaços" que abrilhantaram os grandes títulos da publicidade mundial.

Para ir além e aqui dizer que foram mesmo gols dignos de placa, destaco duas peças de plena sintomia com um mundo que me parece imutável, atual, por mais que sua arte criativa as tenha evidenciadas há décadas. Uma primeira traz a verdade perigosa de um falso líder, cuja mentira faz parte da sua essência. Uma segunda revela a força de uma bandeira branca, que é capaz de expressar um produto que todos querem "comprar", mas alguns são incapazes de "vender". Ousadia rara para agir no mundo dos negócios como artista da criação e agente da persuasão. 

De fato, ousou quando propôs usar a cara do grande ditador (Hitler), para enaltecer a frase que abriu acima este texto. A verdade doida de quem se forjou nas mentiras para "vender" uma liderança, notadamente, nefasta. Isso para dizer que vender um jornal para o consumidor, é contar com a credibilidade de quem não se 'vende" para a notícia.

Por outro lado, fazer uma mera campanha conceitual, com ênfase na qualidade de um texto e somente amparada por uma bandeira branca, isso representa, em si, algo emblemático. Sem dúvida, que um meio inteligente para "vender" como produto o simbolismo da paz, um objeto que muitos não querem, ou mesmo, que pouco ou nada se empenham por ela. Enfim, são belos exemplos de refino intelectual na essência, mas que carregam um poderoso apelo de comunicação popular.

Nesta minha singela homenagem ao talento e à genialidade de Olivetto, no contexto que aqui chamo de "ofício publicitário de alto teor cultural", sinto-me um privilegiado. É que nessa minha trajetória de vida pude contar com a oportunidade de reconhecer que, certas figuras geniais, por mais distantes que pudessem estar aos meus olhos (apesar da minha miopia remediada), estiveram ao meu alcance físico ou material.

Se algumas foram chances renovadas (como foi o privilégio de compartilhar com Pelé alguns bons momentos), tive lá meus "dedos de prosa" com Olivetto. Ainda bem que os gênios dos seus meios são raros e podem proporcionar a sorte  e o momento de algum encontro. E quando isso acontece, a gente assimila alguma inspiração. Pelo menos, aquela que seja necessária para uma boa homenagem. Como esta que, pela qual, tanto me esforcei.

É isso. Se para a história do Futebol defendi a adoção do aP (antes de Pelé) e do dP (depois de Pelé), penso que qualquer análise histórica sobre a Publicidade já merece o aO (antes de Olivetto) e o dO (depois de Olivetto). Para isso, basta o tempo "caetanear" em oração e se mostrar como "compositor de destinos e tambor de todos os ritmos". Salve, salve Washington Olivetto.

* Economista e colunista desta Folha de PE.

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