ORIENTE MÉDIO

Morte de líder do Hamas fortalece ainda mais posição de Netanyahu por "guerra sem fim à vista"

stratégia de assassinatos de lideranças de grupos inimigos foi sucesso para o premier

Premier de Israel, Benjamin Netanyahu - Roberto Schimidt/AFP

Dias depois dos ataques do Hamas contra Israel e da invasão de Gaza completarem um ano, o assassinato do líder do grupo terrorista, Yahya Sinwar, impôs novos elementos de incerteza ao Oriente Médio. O premier israelense, Benjamin Netanyahu, apresentou a morte de Sinwar como uma vitória, e disse que “não vai interromper a guerra”.

Para analistas ouvidos pelo Globo, a longa lista de lideranças mortas nos últimos meses empodera Netanyahu em um conflito que já é regional, e que não traz, a menos a curto prazo, perspectivas de término.

Sinwar era considerado o mentor dos ataques de 7 de outubro de 2023, e era o integrante mais procurado do Hamas — nas cartas de baralho distribuídas aos militares em Gaza, que traziam os rostos de dirigentes do grupo, aparecia como a Rainha de Copas. Sua morte consolidou uma estratégia bem-sucedida de Israel: a de assassinatos de lideranças do chamado “Eixo da Resistência”, comandado pelo Irã e que inclui, além do Hamas, o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e milícias aliadas no Iraque e Síria.

— Israel já tinha matado lideranças dessas organizações em outras ocasiões, mas nada na escala do que vimos nos últimos dois, três meses — afirmou ao Globo Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha. —E não só a cúpula, mas também muitos comandantes militares de médio e alto escalões. Ainda não é possível avaliar o impacto operacional disso, o quanto o Hamas ainda pode atacar Israel.

Para integrantes do governo do presidente Joe Biden nos EUA, que ainda busca um cessar-fogo para apresentar como feito na campanha de sua vice-presidente, Kamala Harris, à Casa Branca, a morte do líder do Hamas “abre uma janela” para um cessar-fogo em Gaza (e talvez no Líbano).

Dentro do Departamento de Estado, Sinwar era visto como o maior entrave à pausa nos combates e ao retorno dos cerca de 100 reféns que ainda estão no enclave palestino. Contudo, embora o tom das conversas entre Biden e Netanyahu tenha sido amigável nas últimas horas, um cessar-fogo ainda não parece estar sobre a mesa, como quer Washington.

— Eu acho que esse é um discurso americano. Não há qualquer mobilização israelense nesse sentido, pelo menos até agora — disse ao GLOBO Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).— Na verdade o discurso é o contrário disso: Netanyahu, logo depois da morte de Sinwar, disse que a guerra continua e que continua a operação para desmontar o Hamas.

Um eventual acordo de paz, afirma Santoro, ocorreria dentro dos termos de um Netanyahu fortalecido e de rivais fragilizados pelas mortes de líderes como Sinwar, Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, e Ismail Haniyeh, chefe político do Hamas.

— Acho que todas as oportunidades [de um cessar-fogo] foram perdidas nos últimos meses. Netanyahu tem todo o incentivo para prosseguir nessa campanha de eliminar mais líderes do Hamas e do Hezbollah — disse Santoro. — Se eventualmente ele for para uma negociação em algumas semanas ou meses, o fará em uma posição de força, com um desequilíbrio muito favorável para Israel, e também acredito que isso só acontecerá após as eleições americanas, em novembro.

Guerra como 'tábua de salvação'
O fortalecimento também se reflete internamente. Diante de intensa pressão dos israelenses, agravada pelo fracasso na prevenção dos ataques de outubro do ano passado, Netanyahu se agarrou ao conflito em Gaza como uma tábua de salvação. Mas os fracassos iniciais para derrotar o Hamas e trazer de volta os reféns corroeram ainda mais seu capital político.

A saída foi dobrar a aposta: os assassinatos de lideranças e altos comandantes do Hamas e Hezbollah servem como ferramentas de propaganda, assim como retórica anti-Irã, exacerbada pelo lançamento de mísseis contra Israel em abril e no começo do mês. A ofensiva no Líbano, apoiada por uma parcela considerável do país, foi igualmente crucial em uma estratégia até agora bem-sucedida.

Uma pesquisa publicada pelo jornal Maariv, em setembro, mostrou que 41% dos israelenses acreditam que ele é o mais qualificado para exercer o posto de primeiro-ministro — também no mês passsado, o Financial Times apontou que o Likud, partido de Netanyahu, havia retomado a liderança na preferência dos eleitores.

Em julho, antes da morte de Haniyeh, uma sondagem do Canal 12 apontava que 70% dos entrevistados defendiam sua demissão do cargo, sendo que 44% o queriam imediatamente.

— A guerra acabou sendo um respiro para Netanyahu — opinou Amaral. — Em um contexto de conflito, de crise extrema, isso acaba sendo um momento de testar a vitalidade e a força de lideranças políticas, e Netanyahu é um político que nunca titubeou em adotar políticas agressivas contra os palestinos, e ele tem usado isso bastante para sua sobrevivência política.

Mas Netanyahu não está só em seu Gabinete. Para retornar ao poder após mais uma inconclusiva eleição, em 2022, ele se aliou à extrema direita, que inclui defensores da "guerra total sem fim", da anexação total da Cisjordânia e o retorno dos assentamentos judaicos em Gaza.

Alguns desses novos aliados, como Itamar Ben-Gvir, uma das figuras mais radicais do país, ocupam pastas como a da Segurança Interna, e usam esse poder para apoiar os colonos e não raro, pressionar Netanyahu. Contudo, como aponta Maurício Santoro, um eventual passo para anexar de fato terras palestinas, embora agrade sua base, poderia ter efeitos além dos toleráveis para o premier.

— Qualquer tentativa, por exemplo, de anexação da Cisjordânia enfrentaria uma enorme oposição internacional, sobretudo dos países árabes, africanos e também dos aliados, causaria uma enorme tensão política — afirma. — A França, que tem uma agenda de política externa para o Oriente Médio, não concordaria, e também seria algo de muito difícil aceitação nos EUA, sobretudo em uma administração democrata.

Enquanto o cenário interno de Israel e as frentes de combate em Gaza e Líbano seguem sem mudanças imediatas, a morte de Sinwar foi mais um golpe ao “Eixo da Resistência”, uma aliança criada por Teerã para enfrentar Israel sem colocar suas próprias forças em risco.

Ainda não se sabe até que ponto a capacidade de combate de Hamas e Hezbollah, assim como dos houthis no Iêmen e das milícias pró-Teerã no Iraque, também alvos de bombardeios, foi afetada pelas ofensivas e mortes de lideranças.

Agora, Teerã, que viu a guerra chegar ao seu território contra a própria vontade, aguarda uma iminente retaliação militar, em resposta ao ataque com quase 200 mísseis do começo do mês contra Israel.

— Provavelmente Israel vai querer demonstrar força e manter esse equilíbrio de poder. Sem propriamente atingir os pontos fortes do Irã, porque os Estados Unidos não querem uma guerra regional. Os Estados Unidos já com certeza coordenaram isso de forma muito próxima com Israel — disse Amaral, apontando que, mesmo moderado, o ataque israelense seria mais uma demonstração de vulnerabilidade do Irã na região.