opinião

Pero que si, pero que no  (1)

 Trabalhei com dois engenheiros de nacionalidades diferentes: um, português; outro, peruano. Com o primeiro, tive dificuldades em entender o que falava. Ficava ainda mais difícil porque atuava na área de suprimentos e tinha que fazer um enorme esforço para “traduzir” o que ele queria. Numa das vezes, ele solicitou a compra de um prumo. Na época, era utilizado o de madeira que tinha duas bolhas para medir o nível de superfície. Conhecia o equipamento, mas não entendia o que ele estava querendo. Lá pela 4ª ou 5ª vez, ele, impaciente, soletrou e escreveu no papel o que estava querendo. Deve ter pensado: que brasileiro bronco...!

O peruano era gente boa, falava pelos poros e xingava todos os que trabalhavam à sua volta. Quando alguém discordava ou tentava apresentar as contrarrazões, ele usava a expressão do título. Com tempo, os colegas mudaram a expressão para “pero si, pero no, iá, iá”, acompanhada de balanço dos quadris. Ele xingava com o “hijo da puta” e outros ‘elogios’ que não vale a pena transcrever. No final, todos se divertiam e, bem ou mal, o trabalho era executado e ninguém absorvia aquilo como ofensa ou entendia com o que hoje chamam de bulling.

Não quero nem vou fazer comparações entre os tempos de ontem e de hoje. Mesmo sem fazer esse tipo de vinculação, dá para afirmar que estamos num tempo chato e intolerante, numa virada de 360º. Vivemos numa época em que o sujo fala do mal lavado, do achar (só achar) que somos melhores que fulano ou beltrano, pelo sobrenome “nobre” ou pela moradia no mesmo prédio de fulano de tal. Pior, não podemos mais zoar uns com os outros. Tudo gera “dano moral”. Somos desiguais, somos diferentes e continuará sendo assim. Por exemplo: de cada mil nascimentos, um deles será de uma pessoa ruiva. E daí? Melhor ou pior? Bom ou ruim? Nada, Será mais um. Só.

Lembrei de uma música que escutava através do rádio e nas ruas, gravada por Jackson do Pandeiro. A letra dizia: “Seu Zeca, dê um jeito na Maria/que a sua filha tem mania de mangar (2)/se eu dou bom dia, ela cochicha com as meninas, diz que tenho  fala fina e um defeito no andar/Pois perto dela eu já nem posso nem falar, mas veja só”.

Hoje, o radicalismo e a xenofobia ampliaram suas ondas, dentro e fora do País. Para piorar, até em Portugal, os irmãozinhos lusitanos vêm, como nunca, tratando mal os brasileiros que vão para lá em busca de melhores oportunidades. Aliás, os brasileiros que resolvem fixar residência em terras europeias, nos EUA e em outros cantos, nem sempre são recebidos com flores e sorrisos, ao contrário do que fizemos com todos os que vieram para cá, no final do Sec. XIX/primeiras décadas do Sec. XX, abraçando-os com as boas-vindas tupiniquins. Se meu avô materno não tivesse casado com minha vó (Joana, de origem europeia), hoje vocês teriam mais um Zé Coió e os coiozinhos que vieram a seguir.
 
(1) Talvez, sim, talvez não


(2) Zombar, caçoar



* Executivo do segmento shopping centers (jcprooca@uol.com.br).

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