Brics: sem a presença de Lula, Brasil defenderá alternativa ao dólar e menos dependência do FMI
Discurso on-line do presidente na quarta ainda é incerto
Impedido por recomendação médica de estar presencialmente na cidade russa de Kazan, para participar, de terça a quinta-feira, de mais uma reunião de Cúpula do Brics, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve fazer um discurso virtual, nesta quarta-feira (22), em que recorrerá ao pragmatismo — mas essa fala ainda não está confirmada.
No discurso, Lula deve estacar dois pontos prioritários em sua política externa: a reforma da governança global, com destaque para o Conselho de Segurança da ONU; e a busca de formas de os países do bloco dependerem menos do dólar nas transações comerciais e de organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Até o ano passado formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, agora Brics aumentou para dez países. Por iniciativa da China, o bloco conta agora com Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Etiópia.
Há, ainda, pelo menos 30 outras nações interessadas em entrar para o clube, como Venezuela e Nicarágua, e outras que tentam preparar o terreno para uma futura candidatura, como o Afeganistão, que tem o Talibã à frente do governo.
Diante disso, Lula buscará temas relacionados à origem econômica do Brics, para mostrar que não compactua com a tese de que o grupo está crescendo como oposição ao Ocidente.
O chanceler Mauro Vieira chefiará a delegação brasileira durante o evento. Com a ausência de Lula, várias reuniões bilaterais foram canceladas, como por exemplo com os presidentes da Rússia (Vladimir Putin), da China (Xi Jinping) e do Irã (Masoud Pezeshkian).
Brasil assume presidência em 2025
O Brasil assumirá a presidência do Brics em janeiro de 2025, mas concentrará suas atividades no bloco no primeiro semestre. Na última parte do ano, o foco será a COP 30, conferência mundial sobre o clima, sediada em Belém.
Mas Lula argumentará que haverá resultados concretos, como aconteceu em 2014, na cúpula realizada em Fortaleza, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, sigla em inglês), ou Banco do Brics.
A instituição, até hoje, já emprestou mais de US$ 32 bilhões (18% ao Brasil), sobretudo em infraestrutura, com uma forte pegada de sustentabilidade e "funding" formado basicamente no mercado de capitais, principalmente o chinês.
Novos sócios
Outro ponto considerado relevante para o governo brasileiro é a definição de critérios técnicos para a definição dos novos sócios. Inicialmente contra a ampliação do número de membros do clube de países, o Brasil passou a concordar com o ingresso de outras nações, desde que mediante o cumprimento de critérios que ainda estão em discussão, como a aplicação de dinheiro no Banco do Brics.
Uma posição favorável à maior participação dos países em desenvolvimento no Conselho de Segurança da ONU também seria uma condição. Se não se adequarem às exigências, defendem os negociadores brasileiros, esses países entrariam no grupo na condição de “parceiros”.
No caso do Talibã, mesmo que o grupo receba apoio da Rússia e da China, o Brasil vetaria a candidatura dos afegãos. O governo brasileiro não reconhece o governo do Talibã, observa um importante interlocutor do governo brasileiro.
A Cúpula do Brics, destacam auxiliares do presidente brasileiro, deve ser inserida em um contexto em que as nações em desenvolvimento precisam estar voltadas para o fortalecimento do chamado "Sul Global". Mais que se preocupar com regimes ditatoriais polêmicos e discriminatórios, a saída é procurar formas de aumentar a participação nas grandes decisões mundiais e melhorar as economias do grupo.
Para Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG), o Brics se tornou um polo aglutinador de países que desejam uma desconcentração do poder mundial. Querem um sistema de feição multipolar, onde haja maior margem de manobra para projetos nacionais.
— Essa aspiração por liberdade de ação, livre de condicionalidade com viés geopolítico, é a motivação principal dos 34 candidatos a novos membros. Assim, a agenda geopolítica do Brics se concentra em ser um impulsionador da multipolarização do poder mundial — afirma Carmona.
Ele avalia que a bola da vez, em 2025, é consolidar o uso de moedas nacionais no comércio bilateral, prescindindo do uso do dólar, arbitrado pelo país que o emite, os Estados Unidos. Acredita que, para o Brasil, é algo bastante relevante, uma vez que só a corrente de comercio com a China (exportações e importações) atingiu, em 2023, US$ 160 bilhões.
— É preciso adaptar os sistemas financeiro e monetário internacional a nova realidade global, na qual o PIB dos cinco países originais do Bric representou 35,7% da riqueza global, enquanto os países do G7 responderam por 29% em 2023. É preciso refletir esse novo balanço de forças, o que não ocorre em órgãos como o FMI, por exemplo, onde as cotas de poder de Brasil, Rússia, Índia e China conjuntamente não chega a 15%, numa distorção em relação a nova geoeconomia global — ressalta.
A cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), afirma que o governo brasileiro tem uma agenda que é muito próxima de alguns dos países do Brics, quando o assunto é a reforma da governança global.
— A discussão sobre a reforma do sistema multilateral interessa à China, interessa à Índia, interessa à Rússia. Faz parte da composição do que a gente chama de países do Sul Global, que entendem que o sistema atual já não reflete mais as dinâmicas de poder global e que dependem de uma reforma — explica.
Durante das reuniões de Kazan, Lula delegou a Mauro Vieira a reafirmação das posições do Brasil sobre a situação no Oriente Médio, a guerra entre Rússia e Ucrânia e a necessidade de compromissos mais firmes para o enfrentamento da mudança do clima. A expectativa é que seja assinada uma declaração final da cúpula com mais de cem parágrafos.