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Zelensky diz que Ucrânia precisa da Otan, não de arsenal atômico

Desde a semana passada, líder ucraniano tenta remendar declarações vistas por Moscou (e por alguns aliados) como um desejo de Kiev de retornar ao "clube nuclear"

Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, durante entrevista coletiva na sede da Otan, em Bruxelas - François Walschaerts / AFP

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou na noite de segunda-feira que seu país não está pedindo armas nucleares ao Ocidente, mas sim um caminho para ingressar na Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que é sua principal parceira na guerra contra a Rússia.

Desde a semana passada, Zelensky tem tentado remediar declarações que foram interpretadas como uma intenção do país de buscar um arsenal atômico, algo que foi encarado como uma ameaça pelo Kremlin.

Em conversa com jornalistas, liberada para publicação nesta terça-feira, Zelensky disse ser necessário para seu país um “guarda-chuva de segurança”, representado pela Otan e por seu compromisso de ação coletiva no caso de atos de agressão contra um de seus membros. E ele lembrou que a Ucrânia abriu mão voluntariamente de seu arsenal nuclear, herdado da União Soviética, em troca de garantias de segurança, inclusive da Rússia, nos anos 1990.

— Não estamos pedindo armas nucleares, nem seu retorno. Nós as entregamos e não recebemos nada em troca. O que recebemos em vez disso é uma guerra em grande escala e inúmeras baixas. Hoje, temos apenas uma opção: precisamos da Otan porque não temos as armas que podem parar Putin — disse Zelensky.

— Nós entregamos nossas armas nucleares. Não recebemos a Otan. E eu perguntei a eles, vocês podem citar outros aliados, ou outro 'guarda-chuva de segurança', ou algo comparável, quaisquer medidas ou garantias para a Ucrânia que seriam iguais à Otan? Ninguém pode responder isso.

Na semana passada, em discurso no Conselho Europeu, em Bruxelas, Zelensky mencionou uma conversa com o ex-presidente dos EUA Donald Trump em setembro, na qual citou a frustração com a falta de avanços rumo a uma eventual adesão à Otan. Um diálogo no qual citou os arsenais nucleares.

— Quais das grandes potências nucleares sofreram? Todas elas? Não. A Ucrânia [sofreu] — disse Zelensky, mencionando a conversa com Trump aos líderes europeus, na quinta-feira passada.

— Quem desistiu das armas nucleares? Todas elas? Não. A Ucrânia. Quem está lutando hoje? A Ucrânia. Ou a Ucrânia terá armas nucleares e isso será nossa proteção ou deveríamos ter algum tipo de aliança. Além da Otan, hoje não conhecemos nenhuma aliança eficaz.

Ao final da fala, o governo ucraniano entrou em modo de contenção de danos, a começar pelo próprio Zelensky: na quinta-feira, durante reunião com o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, disse que jamais discutiu a retomada do programa nuclear com fins militares.

— Não estamos construindo armas nucleares. O que eu quis dizer é que hoje não há garantia de segurança mais forte para nós além da filiação à Otan — disse o presidente ucraniano na ocasião.

A Chancelaria do país afirmou, em comunicado, que o Tratado de Não-Proliferação (NPT) segue “a base da arquitetura de segurança internacional”, e que “apesar da contínua agressão russa, a Ucrânia continua a cumprir as disposições do NPT e continua a ser um participante responsável no regime internacional de não proliferação nuclear.

Apesar das explicações, a fala não foi bem recebida na Rússia. Na sexta-feira, durante conversa com jornalistas, o presidente Vladimir Putin disse que as declarações eram uma “provocação perigosa”, e que “qualquer passo nessa direção será recebido com uma reação correspondente".

—Não é difícil criar armas nucleares no mundo moderno — acrescentou Putin, que desde o início da invasão tem usado com uma preocupante frequência a chamada “carta nuclear”. — Não sei se a Ucrânia é capaz de fazer isso agora, não é tão fácil para a Ucrânia de hoje, mas em geral não há grande dificuldade aqui.

Durante o desmantelamento da União Soviética, Rússia, EUA e Reino Unido, as principais potências nucleares do início dos anos 1990, concordaram em fornecer garantias de segurança a Cazaquistão, Bielorrússia e Ucrânia em troca de seus arsenais nucleares.

As ogivas foram repassadas à Rússia, em um processo que foi concluído em 1996 — na época da assinatura do chamado Memorando de Budapeste, em 1994, Ucrânia tinha 1,9 mil ogivas. No auge da corrida armamentista, a então república soviética chegou a abrigar 4 mil ogivas.

Contudo, a guerra civil no leste ucraniano, iniciada em 2014, e a anexação da Crimeia pela Rússia, em fevereiro daquele ano, mostraram a fragilidade do acordo, e serviram de impulso para a Ucrânia acelerar sua busca pela adesão à Otan, um processo considerado uma “linha vermelha” para Moscou.

Oito anos depois, com a invasão russa em larga escala, entrar para a aliança militar se tornou uma causa existencial para Zelensky.

Além de explicações sobre arsenais nucleares, Zelensky confirmou que um eventual início de negociações de paz com a Rússia dependerá do resultado da eleição presidencial nos EUA, que acontece daqui a duas semanas.

Durante a campanha, a vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris, sinalizou que pretende seguir a linha do atual presidente, Joe Biden, composta pela ajuda militar e sem sinais de concessões aos russos.

Já Trump, que prometeu acabar com a guerra “em 24 horas”, é visto como um risco por sua afinidade com Putin, e pela possibilidade do republicano forçar Zelensky a um acordo que inclua a concessão de territórios a Moscou.