Luto

Parceira de Antonio Cicero, Adriana Calcanhotto escreve ao poeta: 'Dorme bem, doce príncipe'

Os dois compuseram juntos "Inverno" e "Água Perrier"

Adriana Calcanhoto - Leo Aversa/Divulgação

"Convivi 35 anos com Antonio Cicero, desde que cheguei no Rio de Janeiro e Susana Moraes nos apresentou. A todos os que perguntavam como era ser poeta e filósofo ao mesmo tempo ele respondia "depende do que você entende por 'ao mesmo tempo'. Nunca o vi dando uma resposta qualquer, dizendo uma coisa com a qual não concordasse só para ser gentil, por mais gentil que fosse, e ele era, muito, muito gentil, educado, polido, generoso. Não é difícil adjetivar o poeta filósofo já que era provido de muitas das melhores qualidades, já que se construiu um ser humano tão digno do que isso quer dizer tanto na alta poesia quanto na filosofia. Inventou-se o homem mais livre de que se teve notícia, dono do próprio destino.

Tive o enorme privilégio de conviver com ele, o que certamente me fez melhor do que eu seria sem ele. Pude ouvi-lo falar sobre seu pensamento filosófico original e único, pude ouvi-lo cantar as letras que fez para as minhas melodias, pude ouvi-lo ler poemas, o que ele fazia com maestria, ouvi muito a sua gargalhada contagiante. Nós trabalhamos juntos, viajamos juntos, nos divertimos, nos encantamos com as coisas do mundo, sofremos perdas, nos indignamos com o estado de coisas do mundo, degustamos maravilhas, bebemos néctares, pedi o mesmo prato que ele várias vezes, só para imitá-lo e então ter mais um assunto, fizemos maluquices, compramos mais livros do que podíamos. Agora ele se foi e se despediu da vida com a mesma coragem com que a encarou, com a mesma grandeza, com a mesma dignidade, sem apegos. Fica o legado, ficam as letras, as pérolas com Marina, as ideias incríveis e o exemplo de integridade. Fica a marca do sarrafo, nas alturas, inspiradora. Ficam as saudades, já imensas. E fica Marcelo conosco, outro homem com a alma tão nobre quanto a dele, o amor da vida do poeta, motivo dos mais belos poemas de sua obra.

Sigo te amando, Cicero, seguirei te amando. Dorme bem, doce príncipe. Até mais".