opinião

Indo, indo, fui (1)

É comum dizerem que quem passou dos 50 (meu caso) virou saudosista porque ficou velho, repetitivo (“depois deles não apareceu mais ninguém...”). Trata-se de meia verdade. Há casos e casos. Acho que já contei um, de vizinho que, depois de uns goles, geralmente no final das tardes dos domingos, colocava discos de Nelson Gonçalves na vitrola – para ele e todos os moradores vizinhos ouvirem.

Não entro no mérito da qualidade, mas, há inconveniência, indisposição para ouvir repetidas vezes o gosto musical de outrem, interferência em outros sons etc. Felizmente, o problema acabou: mudei o meu domicílio.

Mencionei o fato apenas para ilustrar essa coisa que chamam de envelhecimento. Continuar gostando e admirando boa literatura de livros nacionais ou do exterior (Dostoiévski, por exemplo) não é sinal de velhice. Continuar ouvindo e apreciando as composições de Bach, Vivaldi, Beethoven e Mozart não tem nenhuma relação com idade. Esses autores continuam sendo tocados em salas do Brasil “A” e do exterior, em especial da Europa. Aliás, já comentei neste espaço sobre pianista chinês, Lang Lang, considerado o maior intérprete de Bach, que lota teatros e salas especiais mundo afora, com ingressos mais caros que os shows da cantora cujo nome inicia com M.

O que estou tentando dizer é que quando o produto é bom, não envelhece; ou, dizendo melhor, envelhece com qualidade, deixa raízes. Produtos mal-acabados, sem qualidade (mesmo com auxílio da tecnologia que afina vozes e instrumentos, por exemplo) são fugazes. Digo mais: são como fumaça - incomodam, fazem mal aos olhos e aos pulmões e depois somem. Isso vale para música, teatro, literatura etc. Vejam o exemplo de Bill Shakespeare: escreveu suas peças entre os séculos XVI/XVII e continuam sendo encenadas até hoje mundo afora.

Admito ser usuário de quase tudo que foi descoberto para melhorar a vida dos humanos: eletricidade, automóvel, avião (mais ou menos), tv, telefone, Internet etc. Agora, chegou a IA – que qualifico como empolgante e preocupante. É irreversível, não há como retroceder. Que venha para melhorar a vida das pessoas, do mundo. Vou avisando: só reconheço a paternidade de 4 filhos. Se aparecer outro, não duvidem: foi concebido e parido pela tal IA, mesmo se tiver meu DNA.

Aproveito o restinho do espaço para fazer um relato. Moro (me escondo) num condomínio, cercado de mato e de animais. Há uma divisão no grupo: uns querem colocar pavimento intertravado ou similar nas ruas; outros, não. Se o 2º grupo usa celular, tv em cores, automóvel, luz elétrica etc., ao invés do telegrama, rádio, charrete, fogão à lenha e lampião, deve acompanhar o 1º grupo, do qual faço parte – com orgulho e convicção de que é o melhor para a comunidade.

(¹) Going, Going, Gone, Robert Allen Zimmerman (Bob Dylan).

 

Executivo do segmento Shopping Centers.

___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria para possível publicação.