RUSSIA

No encerramento do encontro do Brics, Putin despista sobre Coreia do Norte

Líder russo afirmou que imagens dos norte-coreanos em bases russas ''refletem alguma coisa'', e cita acordo de cooperação militar assinado com Pyongyang

O presidente russo, Vladimir Putin - Gavriil Grigorov / POOL / AFP

No encerramento da cúpula do Brics na Rússia, o anfitrião, o presidente russo Vladimir Putin, despistou sobre a presença de tropas norte-coreanas em seu território, dizendo que “se houver imagens” dos soldados, elas “refletem alguma coisa”.

Em uma longa entrevista coletiva, que incluiu veículos estrangeiros, Putin afirmou que um acordo de paz com Kiev deve “levar em conta as condições do terreno”, e aproveitou para elogiar o ex-presidente Donald Trump, a menos de duas semanas da eleição nos EUA.

Putin, assim como o governo da Coreia do Norte, têm negado ou desconversado sobre os soldados norte-coreanos, que seriam entre 3 mil e 12 mil. Mas nesta quinta-feira, Putin pareceu dar um passo em direção a uma admissão de que, sim, há militares vindos de Pyongyang no país.

— Fotos são coisa séria. Se houver fotografias, elas refletem alguma coisa — disse Putin, em seu habitual tom enigmático, antes de emendar com o que soou como uma justificativa. — Gostaria de chamar a atenção para o fato de que não foram as ações da Rússia que levaram à escalada na Ucrânia, mas sim o golpe de 2014, apoiado principalmente pelos Estados Unidos.

Uma das justificativas do Kremlin para a guerra foi o levante popular de 2013 — chamado por ele de "golpe" — contra o recuo do então presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovich, sobre um acordo de cooperação com a União Europeia, visto como um passo importante para a entrada do país no bloco.

Dezenas de pessoas morreram nas ruas, e a instabilidade foi seguida pela anexação da Crimeia, em fevereiro do ano seguinte, e por uma guerra civil no leste ucraniano.

Relações internacionais
Sobre a presença norte-coreana, Putin destacou que nesta quinta-feira o Parlamento ratificou o acordo de parceria estratégica entre os dois países, assinado em junho durante uma visita do presidente a Pyongyang.

Segundo uma cláusula secreta do texto, revelada pelo Wall Street Journal, ele prevê o envio de militares da Coreia do Norte para a Rússia, sem especificar para quais fins — um outro trecho, o Artigo 4, prevê assistência militar mútua em caso de agressão a qualquer um dos países.

— Nunca duvidamos que a liderança norte-coreana leva a sério os nossos acordos. Mas o que e como faremos é da nossa conta no âmbito deste artigo [4]. Primeiro, precisamos realizar negociações adequadas relativamente à implementação deste Artigo 4, mas estamos em contacto com os nossos amigos norte-coreanos e veremos como este processo se desenvolve — disse o presidente.

Enquanto Putin falava em Kazan, a Inteligência Militar Ucraniana (GRU) afirmou que tropas norte-coreanas já estão em Kursk, uma região russa controlada parcialmente por forças ucranianas desde o início de agosto.

Relatos anteriores de Kiev apontavam que os militares, vindos de uma unidade de elite na Coreia do Norte, estavam prestes a serem enviados para a região, assim como a outras áreas de fronteira com a Ucrânia. Há relatos de que oficiais e engenheiros militares de Pyongyang já atuam na região de Donetsk, prestando apoio às forças de combate.

Conflito
Com a guerra na Ucrânia se aproximando dos mil dias, Putin disse que os países do Brics “estão empenhados em acabar com o conflito o mais rapidamente possível e de preferência através de meios pacíficos”, citando propostas já sobre a mesa, como a defendida por Brasil e China. Ele se mostrou aberto ao diálogo com Kiev, desde que em seus próprios termos.

— Estamos dispostos a considerar qualquer negociação de paz com base nas realidades no terreno. Não estamos dispostos a aceitar mais nada — disse Putin, reiterando nas entrelinhas que não pretende devolver os territórios ocupados na Ucrânia, incluindo a Crimeia, algo que Kiev rejeita categoricamente.

Putin revelou ter recebido em setembro, por intermédio da Turquia, uma proposta ucraniana, sem detalhar o que havia no texto. Mas ele afirmou que Kiev “desistiu” da iniciativa um dia depois.

— Os líderes do regime de Kiev não querem negociar. O início das negociações de paz levaria à necessidade de levantar a lei marcial, e imediatamente seria necessário realizar eleições presidenciais. Aparentemente, eles ainda não estão prontos. A bola está do lado deles — afirmou.

A Ucrânia não se pronunciou sobre as alegações.

Putin ainda disse “não se lembrar” de uma conversa citada pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump, em entrevista recente ao Wall Street Journal, na qual o americano relatou ter dito ao líder russo que, se ele atacasse a Ucrânia, o “atingiria bem no meio de Moscou” e “destruiria essas malditas cúpulas em sua cabeça”, apesar de “serem amigos”. Trump não disse quando a conversa aconteceu.

— É possível ameaçar [a Rússia]? Você pode ameaçar qualquer um, mas não faz sentido ameaçar a Rússia, porque isso só nos deixa animados. Mas não me lembro de tal conversa com Trump. Agora é uma fase muito aguda da campanha eleitoral nos Estados Unidos, e proponho não levar a sério essas declarações — afirmou.

Contudo, Putin, a quem Trump já disse algumas vezes admirar, reservou palavras carinhosas ao republicano, justamente sobre a Ucrânia.

— Ele falou sobre o desejo de fazer tudo para acabar com o conflito na Ucrânia. Parece-me que ele disse isso com sinceridade — declarou Putin. — É claro que acolhemos com satisfação declarações deste tipo, independentemente de quem venham.