opinião

Para Washington Olivetto e Antonio Cicero

Dois golpes frontais atingiram, em um curto espaço de tempo, todos aqueles que admiram a história destes dois homens que emprestam seus nomes ao título deste artigo. Para além de dar o título, eles, na verdade, fizeram parte da construção literária e publicitária do Brasil.

Infelizmente, a cultura popular neste país continental só permite que se conheça e cultue a obra de alguém a partir do seu post mortem. Lygia Fagundes Telles já apregoou essa prática em 1996, durante uma entrevista no Roda Viva, ao falar de Clarice Lispector. A escritora compara esse tributo tardio a uma espécie de necrofilia, e acredito que não deixa de ser. Em vida, todo reconhecimento é generoso e muito mais bonito.

Tenho apreço em ler homenagens póstumas e, neste ínterim, conhecer as intimidades de pessoas que ganharam admiração de tantas outras pessoas, seja pelo que escolheram fazer, seja pelo caminho que decidiram construir. Os legados tornam-se muito mais humanos e palpáveis quando temos a oportunidade de acessar uma outra versão que é relatada por quem privou de uma convivência mais próxima.

Sobre Washington, o relato de Nizan Guanaes – tão gênio quanto Olivetto – no Valor Econômico revela capítulos daquele que apostou todas as fichas na história da publicidade. As criações do democrata corinthiano possibilitaram uma relação íntima entre as peças de marketing e o sentimento geral e coletivo dos brasileiros.
O trabalho publicitário costuma ter um período cronometrado de sobrevivência nos inconscientes dos seus alvos mercadológicos. Com o toque de Washington, as peças ganhavam sobrevida e celebravam muitos aniversários, graças à sensibilidade e ousadia que só os gênios podem deter.

Já Antonio Cicero, o número 27 da Academia Brasileira de Letras, Lilia Moritz Schwarcz – também imortal, compartilhou muitos pormenores sobre o poeta e filósofo que enriqueceu o cancioneiro popular com suas composições. Uma delas, ao lado de sua irmã, Marina Lima, foi "Fulgás", que nos traz uma sensação de frescor tropical ao entoarmos: “Você me abre seus braços e a gente faz um país”.

Mais do que isso, ou melhor, tão grande e tão sensível quanto isto, é o poema "Guardar", que ressignifica uma ação que ganha nova compreensão quando é tocada pela inspiração do autor.

Washington Olivetto e Antonio Cicero foram figuras cujas vidas imensas geraram legados que transcendem suas próprias existências. Quando homens como eles partem, abrem-se lacunas intelectuais impossíveis de serem preenchidas. A orfandade que essa perda provoca é insólita e perniciosa.

Sobretudo não podemos permitir que a ausência nos arraste para sentimentos duvidosos. Precisamos, ao contrário, perpetuar suas ideias e valores, mantendo viva e bem acesa a chama de suas contribuições, incendiando o obscurantismo com a lucidez, o talento e a criatividade derivada deles.


Cientista social (UFRPE).

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