Mariana

Mariana: "Poderia ser melhor, mas está razoável", diz entidade de vítimas sobre acordo que Lula vai

"Vamos continuar em luta para que seja colocado em prática da melhor forma possível", afirmou representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Tragédia de Mariana - Antônio Cruz/Agência Brasil

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) afirmou, em live realizada nesta quinta-feira, que “pontos não avançaram” no Acordo de Repactuação para a Bacia do Rio Doce após a tragédia em Mariana (MG). A organização, porém, disse haver “conquistas” na negociação, que chega perto do fim, e promete lutar contra o que considera “insuficiente” no acerto iminente.

Após dois anos de negociações, o governo federal, os governadores de Minas, do Espírito Santo e as empresas BHP e Vale vão assinar um novo acordo pelas reparações dos danos causados pela tragédia de Mariana nesta sexta-feira, conforme antecipou a coluna de Lauro Jardim.

A repactuação foi acordada em um valor de R$ 167 bilhões, sendo R$ 100 bilhões em novos pagamentos a serem feitos em 20 anos.

"Entendemos que o acordo poderia ser melhor, mas está razoável. É melhor do que o que temos hoje. Vamos continuar em luta para que seja colocado em prática da melhor forma possível. Temos o compromisso do governo federal que, na execução dos R$ 100 bilhões, terá a participação dos atingidos ", afirmou Letícia Faria, uma das representantes do movimento.

Uma reunião final entre Lula e ministros na manhã desta quinta definiu o aumento do valor de indenização individual, de R$ 30 para R$ 35 mil.

A cerimônia de assinatura, a ser realizada nesta sexta-feira , deve acontecer no Palácio do Planalto, com presença do próprio presidente Lula e de diversas autoridades. Os governos do Espírito Santo, de Minas Gerais e da população atingida também estarão representados.

O movimento disse esperar ter acesso à íntegra do texto do acordo após a assinatura nesta sexta-feira. Segundo os membros do grupo, a luta passa agora para uma "nova fase". O MAB define os direitos individuais como o "grande problema" deste processo.

"O valor oferecido é insuficiente para reparação individual. Nós vamos continuar com a luta na Inglaterra e no Brasil ", ressaltou Joceli Andreoli, da coordenação nacional do MAB.

Em nota, o movimento destaca que a "luta popular" possibilitou que a "proposta atual seja superior à que havia sido apresentada no final de 2022, no governo anterior, e que teria sido extremamente prejudicial ao povo atingido", mas destacou insuficiências no acordo.

Entre elas, a ausência de participação livre e informada do povo atingido durante a construção do acordo e o valor da indenização individual proposto (leia a íntegra da nota no pé da reportagem).

Confira detalhes da repactuação
O comunicado ao mercado divulgado pela Vale na semana passada cita um valor total de repactuação de R$ 170 bilhões, incluindo R$ 32 bilhões em obrigações em curso e R$ 38 bilhões pagos nos últimos nove anos. A Advocacia Geral da União (AGU) considera um valor de R$ 167 bilhões, com R$ 30 bilhões provisionados e R$ 37 bilhões pagos. A expectativa é que a repactuação encerre mais de 180 mil ações judiciais.

Além das indenizações e dos financiamentos a programas socioambientais, de saúde e de fomento econômico, o acordo prevê a retirada de dejetos de parte do Rio Doce, um ponto que era de divergência entre as empresas e os governos durante as negociações. Agora, precisarão ser retirados 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos que impedem a operação plena da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, em Minas Gerais.

O acordo deve ser assinado em breve, segundo fontes das empresas e de autoridades envolvidas nas negociações, que se iniciaram há dois anos. Para o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), a assinatura “só depende da agenda do presidente Lula” e deve sair até sexta-feira.

No fim do ano passado, as negociações chegaram a ser suspensas após as empresas acenarem com uma proposta de R$ 42 bilhões, enquanto as autoridades pediam R$ 126 bilhões em dinheiro novo. As empresas responsabilizadas pelo rompimento da barragem do Fundão, o que causou o desastre, também alegavam que o Rio Doce já havia retomado a sua qualidade e o manejo de parte desses sedimentos poderia causar novos impactos ambientais. Mas o governo federal não recuou do pedido.

Divergência sobre quitação a danos de saúde
Outro ponto que gerava discordância foi a exigência das empresas de que o acordo impediria ações judiciais no futuro, por pessoas que desenvolvam problemas de saúde que possam ser decorrentes do desastre ambiental. Mas o poder público não aceitou esta condição, segundo fontes que acompanham as negociações.

No entanto, uma das diferenças dos novos termos da repactuação, em relação à primeira versão de 2022, é o foco em programas de saúde, como investimentos em aquisição de equipamentos e a criação de um fundo para contribuir com o custeio do SUS.

Atualmente, os programas de reparação socioambiental são executados pela Fundação Renova, entidade privada criada pelas empresas em função do primeiro acordo judicial entre os governos de Minas e Espírito Santo, a União, a Vale, BHP e Samarco, em 2016. Mas, após críticas de moradores sobre falta de participação e demora na conclusão de certas ações, o que gerou novos processos judiciais, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) negociou mudanças.

Com o novo acordo, as empresas, autarquias e os governos — federal ou de Minas e do Espírito Santo — vão ser responsáveis pelas ações de reparação social, ambiental e econômica. Além disso, a Samarco, empresa que tem a BHP e a Vale como principais acionistas e era responsável pela barragem rompida, cuidará das indenizações, que terão, em média, valor de R$30 mil. Não haverá mais uma intermediária nas reparações.

"As ações serão executadas pelos próprios governos e pela Samarco. É um avanço, porque a governança atual é burocrática, depende de muitas análises em comitês, conselhos, gastos com consultorias e tem pouca efetividade ", afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande.

Dos R$ 100 bilhões a serem pagos em 20 anos, o que deve atender a 250 mil moradores, a maior parte será desembolsada nos três primeiros anos após a assinatura. A expectativa das empresas é que as indenizações, além do programa de transferência de renda a pescadores e agricultores atingidos, encerre cerca de 181 mil ações civis individuais que correm hoje na Justiça.

Leia a íntegra da nota pública do MAB
"O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vem a público manifestar-se sobre o acordo de repactuação relativo ao crime ocorrido em Mariana, em 5 de novembro de 2015, que será assinado nesta sexta-feira (25), no Palácio do Planalto.

O rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana foi o maior crime socioambiental da história do país. A lama contaminou 684 km do Rio Doce e do litoral capixaba e baiano, atingindo mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados da federação. Dezenove pessoas morreram e uma mulher sofreu um aborto.

O crime em Mariana e todas as violações de direitos decorrentes dele são resultado direto do processo de privatização, que explora todo o povo brasileiro, se apropria de nossas riquezas e beneficia exclusivamente o sistema financeiro, gerando lucro para satisfazer a ganância do grande capital.

Reconhecemos a importância do acordo e seus avanços para os atingidos, mas também há insuficiências. A luta popular protagonizada pelos atingidos organizados, bem como de seus aliados e parceiros, possibilitou que a proposta atual seja superior à que havia sido apresentada no final de 2022, no governo anterior, e que teria sido extremamente prejudicial ao povo atingido. O atual acordo representa o dobro do valor disponibilizado para a reparação na proposta anterior, superando-a em R$ 132 bilhões.

Consideramos que, após nove anos de injustiças, sofrimento e violações de direitos, o acordo proposto apresenta alguns avanços, os quais destacamos:

1 – O protagonismo do Estado (poder público) na condução do processo de reparação, afastando as empresas que cometeram o crime da relação direta com as vítimas.

2 – A criação de fundos específicos destinados aos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, às mulheres, aos pescadores e agricultores familiares.

3 – As ações em saúde (fundo perpétuo), saneamento, retomada econômica, prevenção de enchentes, infraestrutura e na questão ambiental, bem como a continuidade da assessoria técnica independente.

Os pontos acima sempre estiveram presentes nas pautas de reivindicações das lutas, mobilizações, reuniões, audiências e atos públicos organizadas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens e seus aliados locais, nacionais e internacionais.

Quanto às insuficiências, destacamos:

1 – A ausência de participação livre e informada do povo atingido durante a construção do acordo. O MAB reivindicou insistentemente às instituições de justiça (IJs), ao poder judiciário e aos governos assento na mesa de negociação da repactuação, o que foi negado sob alegação de sigilo pelas empresas e pelo judiciário.

2 – Além disso, as propostas de indenização individual são insuficientes diante dos danos causados. Neste sentido, a luta segue por indenizações justas, seja na justiça brasileira, junto aos governos ou nas cortes internacionais, como no caso da ação inglesa que está sendo julgada, em Londres, neste momento.

A proposta apresentada inaugura uma nova etapa da luta popular pela reparação integral dos direitos do povo atingido e do meio ambiente. A intensa mobilização popular é o caminho para concretizarmos os pontos positivos do acordo, bem como para garantirmos a plena reparação frente às suas insuficiências. Ressaltamos ainda que se trata de um crime e como tal não pode seguir impune, sendo dever das autoridades, especialmente do judiciário, condenar os responsáveis.

Reafirmamos nosso compromisso de seguir na luta contra todas as formas de exploração, dominação e injustiças, sem deixar nenhuma pessoa atingida para trás. Para isso, contamos com o apoio e solidariedade dos aliados e parceiros, e em especial de todo povo atingido da Bacia do Rio do Doce, litoral capixaba e do Brasil.

Convidamos todos a se somarem à luta dos atingidos, no dia 05 de novembro, em um grande ato na cidade de Mariana (MG), para reafirmarmos nosso compromisso de seguir a luta.

Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

É Tempo de Avançar!

Brasília, 24 de outubro de 2024."