Doença

Encefalopatia traumática crônica: entenda o que causou a morte de Maguila

Ex-boxeador faleceu aos 66 anos devido à "demência pugilística", que também já acometeu atletas de outros esportes

Maguila, ex-pugilista brasileiro - Reprodução/Instagram

Encefalopatia traumática crônica (ETC), chamada também de "demência pugilística", é a doença que vitimou o ex-boxeador Maguila, de 66 anos, na última quinta-feira, em São Paulo. Um mal que costuma acometer atletas que praticam artes marciais, como o boxe, mas que também já vitimou esportistas de outras modalidades. A Folha de Pernambuco explica as causas e sintomas da síndrome, destacando como treinadores e atletas enxergam os riscos das atividades esportivas de forte impacto na cabeça.

"A ETC é uma doença neurodegenerativa causada por traumas cranianos. Os atletas de esportes com impactos repetitivos na região, casos de boxe, MMA, futebol americano e rugby são os mais propensos a desenvolverem o problema. Isso também era visto em soldados que sofriam impactos decorrentes de explosões nas guerras, mesmo sem lesões diretas na cabeça", afirmou David Plácido, neurocirurgião do Hospital Jayme da Fonte.

Segundo Plácido, os principais sintomas são os distúrbios comportamentais como irritação, agressividade e declínio cognitivo, com a deposição progressiva de proteínas "anormais", como a proteína TAU (importante para o transporte de substâncias e nutrientes entre as partes da célula nervosa). A doença é considerada incurável e o tratamento é focado no controle dos sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão. 

Maguila foi diagnosticado com o problema em 2013, proveniente da série de pancadas que recebeu na cabeça durante o período em que atuou como boxeador. Exames de imagem, como ressonância magnética e testes neuropsicológicos, foram usados para identificar a síndrome. Em 2014, Maguila chegou a ser internado em São Paulo por conta dos efeitos da doença. 

Segurança

Rodrigo Barbosa, educador físico que também dá aulas de boxe, cita que os cuidados na atividade não podem se limitar apenas a quem pratica o esporte de forma profissional. 

"O melhor caminho é um treinamento com pessoas preparadas, que estudam o esporte e conseguem adaptar seus conteúdos às peculiaridades dos praticantes. Outra coisa é o uso de equipamentos e local adequado para a prática do boxe. É preciso preservar a integridade ao máximo", citou. 

No boxe profissional, não há o uso de capacetes. No olímpico, o objeto foi retirado para os homens a partir dos Jogos do Rio 2016, continuando apenas para as mulheres. A Associação Internacional de Boxe Amador (AIBA) indicou que a medida ajudaria a diminuir casos de concussão.

Por outro lado, Bianca Miarka, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora no Laboratório de Psicofisiologia e Performance em Esportes e Combates, publicou recentemente um estudo em que mostra a efetividade do uso de capacetes para os atletas de boxe.

No teste, realizado com 14 atletas em combates de três rounds de três minutos, com um minuto de intervalo, foi identificado que houve diminuição em relação aos indicadores de concussão. Miarka, vale ressaltar, foi atleta do Brasil de alto rendimento, no judô e no remo, tendo no currículo uma disputa do Pan-Americanos de Lima 2013, no Peru. 

Outro lado

Primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica no boxe, com o bronze obtido em 1968, no México, o ex-pugilista Servílio de Oliveira, de 76 anos, destacou que é preciso salientar que a doença não pode ser relacionada exclusivamente à modalidade.

"Essa pecha não pode ficar somente com o boxe. Outros esportes como MMA e futebol americano também podem ter casos semelhantes. É preciso entender que isso é um risco dentro de uma modalidade em que, como outras, há muito contato", pontuou. 

De fato, não são apenas atletas ou ex-atletas de boxe que sofrem com a encefalopatia traumática crônica (ETC). Bellini, capitão da Seleção Brasileira de futebol na conquista da Copa do Mundo de 1958, sofreu também com a doença, após o cérebro do ex-jogador ser doado para um estudo da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo estudo da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, mais de 40% dos atletas que morreram antes dos 30 anos de idade foram por conta do ETC - na grande maioria, profissionais do futebol americano. Nomes do esporte como Mike Webster, Terry Long, Andre Waters e Heather Anderson faleceram em decorrência da doença.Em maio do ano passado, o neozelandês Billy Guyton, de 33 anos, morreu após apresentar sintomas da encefalopatia e abandonar o rugby em 2018. 

O cérebro de Maguila será doado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) para aprofundar os estudos acerca da encefalopatia traumática crônica (ETC). A instituição conta com grupo de pesquisa que estuda justamente o impacto das pancadas e concussões em atletas.

História

Nascido em Aracaju, Sergipe, Maguila teve 77 vitórias (61 nocautes), sete derrotas e um empate em seu cartel como profissional, tendo sido campeão brasileiro, das Américas e mundial de boxe na categoria peso-pesado.

Dentre suas derrotas no ringue, Maguila teve duas emblemáticas contra dois maiores de todos os tempos da modalidade: George Foreman, em 1990, e Evander Holyfield, em 1989.