TRAGÉDIA EM MARIANA

Indenizações individuais, R$ 100 bi para governos e gestão pelo BNDES: entenda acordo sobre Mariana

Ação representa 620 mil vítimas do rompimento de barragem em 2015

Tragédia em Mariana (MG) - Antônio Cruz/Agência Brasil

A assinatura ontem do novo acordo pela reparação dos danos causados na tragédia de Mariana (MG) deve impactar o julgamento em Londres de uma ação coletiva contra a BHP que começou na segunda-feira, segundo especialistas em Direito Ambiental.

A ação representando 620 mil vítimas pede indenização à mineradora, uma das acionistas da Samarco, responsável pela barragem que se rompeu matando 19 pessoas e poluindo o Rio Doce em 2015.

Embora o posicionamento da BHP é de que o acordo não tem relação com processos relativos ao acidente fora do Brasil, a ligação foi admitida por executivos da Vale ontem, na divulgação de resultados trimestrais da empresa a analistas do mercado finaneiro.

O vice-presidente executivo de Assuntos Corporativos e Institucionais da Vale, Alexandre D’Ambrosio, lembrou que o principal argumento da ação na Inglaterra é que esse tipo de questão não costuma ser resolvido no Brasil.

— O acordo prova que a solução é possível, eficiente e rápida (no Brasil) — disse D’Ambrosio, reforçando que quem está pedindo reparação na Justiça britânica também poderá aderir ao acerto do Brasil.

Embora a BHP seja a única ré na ação inglesa, a Vale poderia arcar com metade das indenizações se a mineradora anglo-australiana perder o processo. Há outra ação sobre o acidente em fase inicial na Holanda.

O acordo foi criticado pelo escritório Pogust Goodhead, responsável pela ação coletiva em Londres. O Pogust Goodhead afirmou que não haverá impacto sobre o processo na Inglaterra e a negociação no Brasil ocorreu a “portas fechadas”. O escritório acrescentou que os valores definidos “estão longe de cobrir os profundos prejuízos sofridos pelas vítimas” e criticou a previsão de pagamentos por 20 anos.

O novo acordo prevê que as empresas envolvidas no acidente — Vale, BHP e Samarco — destinem R$ 100 bilhões ao governo federal, a Minas Gerais, ao Espírito Santo e a municípios afetados pelo acidente. Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.

Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões e a expectativa é que o acordo encerre mais de 180 mil ações judiciais no Brasil.

Dupla indenização
Advogados especialistas em direito ambiental consideram possível que a Justiça inglesa dê razão às empresas a partir do acordo, mas a corte de Londres tem soberania para prosseguir com o julgamento.

Eles avaliam que ganhou força o argumento de que uma vítima não pode ser indenizada duas vezes pelo mesmo dano, o que livraria as mineradoras de voltarem a pagar na Inglaterra as indenizações que já acertaram de quitar no Brasil.

Outra possibilidade no horizonte é que a juíza Finola O’Farrell, responsável pelo caso, considere que a solução brasileira não foi suficiente e exija novas indenizações.

— O juiz inglês não é obrigado a extinguir a ação. Ele pode entender que a vítima foi indenizada em um valor insuficiente, que foi pressionada a aceitar um valor inferior. Ou que a indenização demorou demais a ser paga, que as vítimas não foram devidamente compensadas — avalia o professor de Direito Ambiental da Escola Paulista de Direito, Alexandre Levin, mesmo defendendo que não deveria haver processo em Londres com as indenizações sendo discutidas no Brasil.

Consultor em Direito Ambiental, professor da Unirio e presidente da Comissão de Direito do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Paulo Bessa rechaça a tese de valor insuficiente. Apesar de correr na Inglaterra, o julgamento se baseia na legislação e nos parâmetros do Brasil, argumenta.

— A indenização é prevista no Código Civil brasileiro, com parâmetros nos tribunais. Pode-se argumentar que os valores são baixos, mas não pode fugir desse parâmetro — explica Bessa, que, apesar de entender que o acordo deve ser considerado na decisão inglesa, critica a postura da Justiça e das autoridades brasileiras. — O Brasil tem que ter uma estrutura mais adequada para atender a esse tipo de vítima.

Bessa destacou as dificuldades para produção de provas de 620 mil vítimas na ação em Londres.

— Tudo foi mal administrado, mas não se pode falar que o pagamento de agora é desprezível. Não se pode alegar na Inglaterra que ninguém recebeu nada — diz Bessa, que acrescenta que no Brasil se paga, em média, R$ 60 mil de indenização por danos morais em evento com morte.