BRASIL

Após reunião de Haddad com Lula, equipe econômica fica à espera de aval para corte de gastos

Fazenda trabalha em um pacote de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Ricardo Stuckert / PR

Em uma semana-chave do governo para decidir o tamanho e as medidas que serão incluídas no pacote de corte de gastos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para uma reunião de duas horas no Palácio da Alvorada.

O encontro terminou sem falas e com uma foto publicada por Lula nas redes sociais, em um gesto ao ministro, que tem sido alvo de críticas de alas do PT e do próprio governo em razão dos esforços para cortar despesas.

O ministro tem apresentado ao presidente um conjunto de medidas que podem ser propostas pelo governo ao Congresso Nacional. Na lista discutida pela equipe econômica estão mudanças no seguro-desemprego e no fundo de financiamento para a educação básica (Fundeb), por exemplo.

O debate sobre o reajuste real do salário mínimo foi interditado pelo presidente, assim como alterações em benefícios permanentes. A equipe econômica trabalha em um pacote de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões.

Haddad voltou ontem a Brasília depois de passar a semana passada em Washington, nos EUA, e votar domingo em São Paulo. No início de novembro, ele deve fazer uma visita a países europeus. A viagem deve ocorrer poucos dias antes do G20 no Brasil, que acontece na segunda quinzena de novembro no Rio.

Por isso, esta semana é considerada decisiva. Como será preciso aprovar mudanças na legislação, a estratégia foi aguardar o segundo turno das eleições municipais para aprofundar as discussões.

Enquanto não anuncia o próximo passo para o corte estrutural de gastos, o governo alinha o discurso em favor das medidas. Ontem, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, defendeu o corte de políticas públicas ineficientes. Segundo ela, o Brasil está fazendo o dever de casa, mas falta ter a coragem para cortar porque não existe “social sem fiscal”.

— Não existe social sem fiscal. Os números estão aí para mostrar que tudo que tinha que dar certo deu. Só falta uma coisa: temos que ter a coragem de cortar aquilo que é ineficiente. Erros, fraudes já foram cortados em 2023 porque eles eram frutos da pandemia. Agora, é hora de acabar com políticas públicas que são ineficientes — disse a ministra, durante evento da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em São Paulo.

Tebet destacou que a redução de despesas é importante para aumentar o volume de investimentos no Brasil, sobretudo em infraestrutura:

— É preciso investimento privado no Brasil, só investimento público é insuficiente. Entre os países emergentes, nós estamos bem abaixo. Só conseguiremos alavancar isso fazendo o dever de casa, como estamos fazendo, garantido segurança jurídica, estabilidade.

Segundo a titular da pasta responsável pela revisão de gastos, o corte das políticas ineficientes não visa somente ao superávit nas contas públicas. Mas trazer maior eficiência ao gasto.

No mesmo evento, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou que o Brasil tem plenas condições de atingir o grau de investimento e que o governo precisa cortar gastos para reverter as expectativas pessimistas.

— Nós temos todas as condições de atingir o grau de investimento, e o governo tem que cortar gastos com seletividade, com critério, sem comprometer o crescimento do investimento, mas tem que cortar e reverter a expectativa — disse Mercadante.

‘Choque fiscal positivo’
No início do mês, a agência de classificação de risco Moody's elevou a nota de crédito do Brasil deixando o país a um passo do chamado grau de investimento — quando o país é considerado seguro, com baixo risco de calote, o que atrai mais recursos estrangeiros.

O discurso da necessidade de retomar esse selo tem sido encampado pela equipe de Haddad para blindar o ajuste e defendê-lo junto a Lula e ao Congresso.

Em evento em Londres, ontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a defender um choque fiscal para que o Brasil tenha juros estruturalmente mais baixos.

— Acredito que, se tivermos um choque fiscal muito grande, provavelmente conseguiremos sair com taxas mais baixas. Como esse processo vai acontecer eu não sei, e seria muito difícil dar um passo a passo do que eu acho que vai acontecer, mas acho que precisa ser algo que produza uma mudança de expectativa grande o suficiente para reverter a previsão de inflação e que impactasse a nossa reação de forma positiva — disse.

O corte de gastos mira, além de melhorar as contas públicas, garantir que o arcabouço fiscal pare de pé a partir de 2026, quando se calcula que as despesas obrigatórias passarão a consumir uma parte maior do Orçamento.

Encerradas as eleições municipais, o mercado agora aguarda o pacote de corte de gastos, com detalhes que lhe pareçam factíveis. A desconfiança em torno da política fiscal tem sido um dos maiores empecilhos para a Bolsa, os juros e a moeda brasileira.

O voto de confiança do mercado, em especial para Haddad, limitou ontem estresses na curva de juros, o que ajudou a manter o câmbio estabilizado. A Bolsa fechou em alta de 1,02%. Já o dólar encerrou quase estável, com variação de 0,06%, a R$ 5,70.

Pedro Serra, gerente de Research da Ativa Investimentos, afirmou que, apesar de ainda não se ter um plano sobre contenção de gastos, as recentes falas do ministro ajudaram a arrefecer o sentimento negativo do mercado:

—A expectativa em si de um anúncio de corte de gastos muda bastante a dinâmica fiscal que vinha sendo vista até agora — explica.