O rastro de mortes na disputa sangrenta entre Rogério Andrade e Fernando Iggnácio; entenda
Patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel foi preso na manhã desta terçaa numa operação do MP do Rio
A história da disputa entre os bicheiros Rogério Andrade e Fernando Iggnácio — sobrinho e genro do finado contraventor Castor de Andrade, respectivamente — é marcada por um rastro de sangue. Tudo começa em 22 de outubro de 1998. Naquele dia, Paulo Andrade, de 47 anos, e seu segurança, Haroldo Alves Bernardo, foram assassinados na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
Um homem se aproximou do Jeep Cherokee onde os dois estavam e abriu fogo. Paulinho Andrade, como era conhecido o filho de Castor, foi atingido por cinco tiros de pistola. Ali começou a guerra familiar no jogo do bicho.
Rogério foi preso na manhã desta terça-feira, durante uma operação do Ministério Público do Rio (MPRJ), suspeito de ser o mandante da morte de Iggnácio.
Sobrinho é escolhido como herdeiro
Castor de Andrade foi o chefe de uma das maiores organizações criminosas do Rio por mais de duas décadas. Ele morreu 1997, aos 71 anos, em consequência de um infarto. Ele escolheu Rogério Andrade como seu sucessor no comando da contravenção. Paulinho de Andrade, nada satisfeito com a decisão do pai, iniciou uma disputa com o primo.
Após Paulinho ser executado e Rogério ser apontado como mandante do crime, Fernando Iggnácio se voltou o sobrinho de Castor. Foi o início da rivalidade que viria a formar uma pilha de cadáveres nos anos seguintes.
Em 7 de dezembro de 1998, o ex-PM Jadir Simeone foi preso. Ele confessou ser o assassino de Paulinho e acusou Rogério de ter encomendado a execução. O bicheiro chegou a ser preso e, em 2002, foi condenado a 19 anos e dez meses de prisão. Rogério conseguiu um habeas corpus para recorrer em liberdade, que foi posteriormente derrubado pela Justiça. Rogério, então, se tornou um foragido, mas continuou a circular pela cidade, frequentando churrascarias e boates, sempre cercado de seguranças — entre eles policiais, bombeiros e agentes penitenciários.
Capturado disfarçado
Rogério Andrade só voltou a ser detido em setembro de 2006, numa ação da Polícia Federal. O bicheiro foi capturado na Rodovia Washington Luiz, quando voltava de Itaipava, na Região Serrana, para o Rio. Ele estava com os cabelos longos e usava lentes de contato azuis.
O grupo do bicheiro, denunciado pelo Ministério Público por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, era suspeito de matar o policial federal Aluízio dos Santos. Àquela altura, a guerra entre os dois chefes da contravenção se arrastava havia mais de oito anos, com um rastro estimado em cerca de 50 mortes — os alvos, muitas vezes, eram policiais aliados dos bicheiros.
Fernando Iggnácio, apontado como mandante de uma série de assassinatos, também acabou atrás das grades. Mas foi solto em 2009, graças a um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão ocorreu um mês e meio após ele ser condenado a 18 anos de prisão. No mesmo ano, Andrade foi colocado em liberdade, também graças a uma liminar — em 2013, a Justiça ainda absolveu o bicheiro da acusação de homicídio qualificado contra o primo.
Atentado mata filho
Em abril de 2010, Rogério e seu filho Diogo, de 17 anos, voltavam de uma academia de ginástica em um Toyotta Corolla quando o carro explodiu em plena Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. O impacto foi tão forte que arrancou o teto do veículo. Diogo morreu na hora, enquanto Rogério foi ferido e teve que se submeter a uma cirurgia. Outros dois automóveis, que supostamente levavam policiais que faziam a segurança do bicheiro, também foram atingidos, mas ninguém mais se feriu.
Esse não foi o primeiro atentado sofrido por Rogério. Em 2001, ele chegava de uma festa e ia deixar sua então namorada num apart-hotel na Barra quando foi atacado pelo cabo fuzileiro naval da reserva Eduardo Oliveira. A arma do militar falhou, e o bicheiro se atracou com ele. Levou um soco no rosto, mas escapou. Dezesseis anos depois, o bicheiro estava num carro no Itanhangá, na Zona Oeste, quando atiradores dispararam contra ele. Apenas sua mulher foi atingida, sem gravidade, no braço.
Em todos os casos, as suspeitas foram de que Fernando Iggnácio havia encomendado os atentados.
Ex-chefe de segurança assassinado
Em novembro de 2010, o sargento do Corpo de Bombeiros Antonio Carlos Macedo, que havia sido chefe da segurança de Rogério de Andrade, foi morto a tiros na Avenida Sernambetiba, na orla da Barra, por onde passava com sua motocicleta Harley-Davisdon. Em abril de 2011, a Justiça decretou a prisão de Rogério, acusado de ser o mandante da execução. Segundo investigadores, o contraventor decidiu matar Macedo por desconfiar do envolvimento dele na explosão que matou seu filho Diogo.
A morte de Iggnácio
A guerra entre Andrade e Iggnácio teve seu último capítulo em 11 de novembro de 2020. Naquele dia, o genro de Castro de Andrade desembarcou de um helicóptero no Recreio dos Bandeirantes. quando caminhava na direção de sua Range Rover blindada, no estacionamento do heliponto, foi atingido com por tiros de fuzil na cabeça.
Os indícios deixaram claro que os assassinos sabiam que o contraventor chegaria de Angra dos Reis, na Costa Verde, naquele momento. Eles esperaram num terreno baldio, ao lado do heliponto e, quando identificaram o bicheiro, aproximaram-se e atiraram pelo menos dez vezes, a cerca de cinco metros de distância do criminoso.
O Ministério Público denunciou Rogério de Andrade como mandante da execução do rival e obteve, na Justiça, a determinação de prisão preventiva do contraventor. Mas a defesa dele recorreu e, em fevereiro deste ano, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a decisão, argumentando que não há provas ligando o sobrinho de Castor de Andrade ao crime.