Medida do governo que antecipou empréstimos reduziu tarifas em 0,02%, diz Aneel; previsão era 3,5%
Benefício a consumidores caiu de R$ 510 milhões para R$ 46,5 milhões, segundo agência
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou nesta terça-feira a abertura de consulta pública para discutir uma proposta de regulamentação sobre os desdobramentos da ajuda do governo federal às distribuidoras de energia elétrica feita em 2020 e 2021. Também foi aprovada a instauração de processo de fiscalização para avaliar a atuação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) no processo.
As medidas constam no relatório do diretor Fernando Mosna, que apontou "erro grosseiro" por parte do Ministério de Minas e Energia (MME) ao projetar o valor do benefício para os consumidores.
A Aneel analisou nesta terça a antecipação do pagamento de um empréstimo feito para aliviar as distribuidoras e as contas de luz por conta da pandemia e da crise hídrica de 2021.
Segundo a Aneel, o volume estimado pelo MME para justificar a antecipação caiu de 510 milhões para R$ 46,5 milhões — 11 vezes menor do que o valor projetado pela pasta. Dessa forma, a expectativa de redução na conta de luz de 3,5% em média caiu para 0,02%.
Na visão do diretor, a medida serviu para ajudar os bancos:
"O protagonista do setor elétrico – o consumidor – foi utilizado como justificativa para uma operação financeira da qual não foi o maior beneficiário, enquanto os bancos se posicionaram como principais ganhadores", diz o relator.
Em abril, o governo editou uma medida provisória que permitiu a quitação antecipada de empréstimos contraídos pelas concessionárias de energia no passado, durante a crise de escassez hídrica e a pandemia da Covid em 2020 e 2022. As distribuidoras pagavam as obrigações diretamente à CCEE, com direito ao reconhecimento tarifário.
O pagamento foi antecipado com outro empréstimo sob a justificativa de troca dos juros.
Segundo a Aneel, o objetivo da consulta é dar maior transparência aos efeitos da medida de forma desagregada por distribuidora e também discutirá encaminhamentos no tratamento entre os consumidores cativos e livres, além da criação de componentes financeiros para refletir a quitação nas tarifas. Os interessados poderão enviar contribuições entre 30 de outubro e 12 de dezembro.
No caso do processo de fiscalização da CCEE, a agência alega que a Câmara teve atuação na operação de crédito, desde a análise das cláusulas contratuais até a verificação das metodologias de cálculo do benefício ao consumidor.
Para pagar os valores, o governo antecipou depósitos feitos pela Eletrobras na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) — um encargo pago por todos os consumidores, e que tem crescido nos últimos anos. O MME conseguiu antecipar R$ 7,8 bilhões, o suficiente para pagar a maior parte dos cerca de R$ 9 bilhões devidos pelas distribuidoras.
No processo, o diretor afirma que a medida teve um efeito positivo para consumidores de 50 distribuidoras, mas retirou dinheiro de outras 53 empresas.
Durante a reunião da diretoria, houve empate em duas das sugestões encaminhadas pelo relator, ao justificar o erro grosseiro no cálculo do MME: a entrada dos órgãos fiscalizadores no caso.
"Desta forma, dado o aparente erro grosseiro e a ausência de poder fiscalizatório da ANEEL diante de atos do MME, entendo que deve ser encaminhado expediente para o Tribunal de Contas da União", diz diretor, que sugere a entrada da Controladoria-Geral da União (CGU) no caso.
Neste caso, seria preciso uma nova reunião e a Aneel tem hoje apenas quatro diretores. Seria necessário nomear mais um diretor para completar o quadro.
Em nota, o MME disse que a medida estabeleceu como condição a comprovação do benefício ao consumidor e que o negócio levou à redução dos juros dos empréstimos.
"Nesse sentido, por naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção, o resultado do benefício aos consumidores foi sendo atualizado ao longo do processo", disse a pasta.
Segundo o MME, "o critério objetivo estabelecido para a celebração da operação de antecipação não mensura os benefícios macroeconômicos decorrentes da redução tarifária, nem mesmo os benefícios sociais decorrentes do aumento da disponibilidade de renda das famílias brasileiras".