Exposição resgata 1ª história em quadrinhos do Brasil e comemora 200 anos de Sébastien Sisson
Serão exibidos mais de 170 itens históricos do ilustrador francês radicado no Rio, um dos pioneiros da litografia no Brasil
A Fundação Biblioteca Nacional expõe, até 22 de janeiro de 2025, aquela que é considerada por muitos a primeira história em quadrinhos brasileira. A relíquia é um dos destaques da exposição “Sisson — 200 anos”, que comemora o bicentenário do ilustrador Sébastien Auguste Sisson.
O francês radicado no Rio publicou, em 1855, na revista Brasil Illustrado, uma sequência de oito ilustrações que comentam, em forma de sátira de costumes, o início e o fim dos relacionamentos amorosos na época.
Intitulada “O namoro, quadros ao vivo”, a sequência não foi identificada como história em quadrinhos na época, já que o conceito ainda era desconhecido.
É provável que nem mesmo Sisson, que ficaria conhecido como um dos nomes mais importantes da história iconográfica do país, tivesse noção de seu pioneirismo. Sua HQ só ganhou essa definição no século seguinte, ao ser reavaliada por historiadores.
"'O namoro, quadros ao vivo' foi exibida já com o status de história em quadrinhos em uma exposição nos anos 1950 na Biblioteca Nacional" conta Bárbara Ferreira, curadora de “Sisson — 200 anos”. "Sabe-se que, na época, ganhou elogios de um visitante ilustre, o poeta Carlos Drummond de Andrade"
De toda forma, pioneiro
Não há consenso sobre qual seria a primeira HQ feita no mundo. Alguns especialistas apontam que a verdadeira HQ só surgiu em 1895, nos EUA, com as tiras do The Yellow Kid publicadas no New York World.
Mas, dependendo dos critérios de definição, dá para retroceder até o Egito Antigo. Mesmo no Brasil, há divergências sobre quem seria o desbravador do gênero.
Para alguns especialistas, “O namoro, quadros ao vivo” seria mais uma caricatura sequencial do que uma HQ. Essa corrente defende que o primeiro quadrinista a atuar no Brasil foi o italiano Angelo Agostini, que publicou “As aventuras de Nhô-Quim” no periódico A Vida Fluminense em 1869 — 14 anos após Sisson.
Quadrinista ou não, Sisson foi um dos pioneiros da litografia no Brasil. Nascido no leste da França, o artista abriu ateliê no Rio de Janeiro em 1852 e logo se tornou um dos artistas mais requisitados do Império.
A exposição na Biblioteca Nacional ressalta a sua maior especialidade: o retrato litografado. A mostra traz mais de cem portraits de personalidades brasileiras do século XIX, como o escritor José de Alencar e o imperador D. Pedro II (que condecorou o artista por seus serviços prestados).
Ao morrer, em 1898, Sisson deixou a maior coleção de retratos originais publicados no Brasil.
"Sisson estudou litografia em Paris com Joseph-Rose Lemercier, um dos mais importantes da época, e sobressaiu usando a técnica no Brasil" diz Ferreira. "Seus retratos são muito realistas, com atenção para os detalhes. Por exemplo, podemos ver a textura da barba de D. Pedro II"
Elogios machadianos
A mostra também destaca outras vertentes do litógrafo, como as charges e caricaturas publicadas em periódicos e as gravuras de paisagens e monumentos da segunda metade do século XIX. Sobre estas últimas, aliás, comentou Machado de Assis:
“A propósito de algumas litografias de Sisson, tive há dias uma visão do Senado de 1860. Visões valem o mesmo que a retina em que se operam. (...) Um simples curioso não descobre mais que o pitoresco do tempo e a expressão das linhas com aquele tom geral que dão as cousas mortas e enterradas.”
Presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi define Sisson como “uma das ‘lentes’ mais poderosas do século XIX no Brasil”.
"Sisson deu rosto ao que hoje talvez não alcançasse mais que uma frase ou parágrafo" diz Lucchesi. "Permitiu a realização de biografias ilustradas, em sua famosa e rara galeria. Uma perfeita conjunção entre a arte da foto e da litografia, mediante uma correta utilização do claro-escuro, da distribuição das figuras, bem como de certa imaginação e delicada ironia"