Acordo de Mariana impõe desistência de ações no exterior para quem receber indenização no Brasil
Cláusula da redação final pode afetar ação que está sendo julgada em Londres contra a BHP
Uma cláusula do novo acordo de Mariana que condiciona a desistência de ações judiciais no exterior para o recebimento de indenizações gerou críticas. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) classificou a medida como "covardia do judiciário brasileiro".
A principal preocupação é sobre impacto ao julgamento da ação coletiva contra a BHP na Inglaterra.
Assinado na última sexta-feira (25) entre os governos federal, do Espírito Santo, de Minas e as empresas Vale, BHP e Samarco, o acordo ainda precisa ser homologado no STF. Com a repactuação, as empresas pagarão mais R$ 100 bilhões em 20 anos, além do que já foi gasto desde a tragédia de 2015, para reparações individuais e coletivas dos danos causados.
A cláusula 3 do acordo afirma que a a homologação do acordo "acarretará a extinção de todas as ações judiciais" e procedimentos administrativos. A expectativa é que isso afete cerca de 181 mil processos no Brasil.
Mas o que chamou a atenção da população atingida foi a redação do parágrafo terceiro dessa cláusula, que condiciona a adesão ao acordo e o recebimento de indenizações individuais à "desistência, retirada e/ou extinção das ações judiciais ajuizadas no exterior com pedidos formulados em decorrência do rompimento".
Ou seja, o aceite do acordo afetaria diretamente a ação coletiva que está sendo julgada em Londres, contra a BHP.
Como mostrou O Globo, a repactuação já poderia, na prática, impactar no julgamento da corte inglesa, mas não há uma associação direta, pois o tribunal do Reino Unido não é obrigado a encerrar seus processos por causa de decisões no Brasil. No entanto, especialistas acreditam que os juízes irão considerar a assinatura do acordo para definição da sentença.
A cláusula gerou reação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
— A posição do MAB é muito clara quanto ao valor das indenizações individuais propostas. Elas são totalmente irreais e insuficientes para a realidade do dano causado durante 9 anos pelo crime da Vale e BHP Billiton na bacia do Rio Doce e litoral capixaba. E essas cláusulas de quitação exigindo retirar o processo na Inglaterra é um escárnio, é uma injustiça muito grande que mostra a covardia do judiciário brasileiro — disse Joceli Andrioli, integrante da coordenação nacional do MAB.
"Contra a parede"
Em uma live na semana passada, quando o acordo foi divulgado, integrantes do MAB falaram que o acordo "poderia ser melhor, mas está razoável", e que a partir de agora cobrariam a participação dos atingidos para a execução das ações. Mas, nesta quarta (30), Andrioli disse que a população foi colocada "contra a parede", em relação ao aceite do acordo.
— Que o judiciário britânico possa avaliar que os atingidos foram aqui colocados contra a parede. É como se tivéssemos em um deserto, e tivéssemos a oportunidade de tomar um copo d'água. Mas esse copo d'água é um direito que a pessoa tem. Ele é uma entrada para não morrer de sede. Nós temos o direito de continuar tomando água. E, portanto, o Direito, ele precisa ser garantido — explicou Andrioli, em nota.
O que diz o novo acordo
O novo acordo prevê que as empresas envolvidas no acidente — Vale, BHP e Samarco — destinem R$ 100 bilhões ao governo federal, a Minas Gerais, ao Espírito Santo e a municípios afetados pelo acidente. Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.
Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões.