MEIO AMBIENTE

Acordo de Mariana impõe desistência de ações no exterior para quem receber indenização no Brasil

Cláusula da redação final pode afetar ação que está sendo julgada em Londres contra a BHP

Tragédia de Mariana lançou 13 mil piscinas olímpicas de lama tóxica na Bacia do Rio Doce - Antônio Cruz/Agência Brasil

Uma cláusula do novo acordo de Mariana que condiciona a desistência de ações judiciais no exterior para o recebimento de indenizações gerou críticas. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) classificou a medida como "covardia do judiciário brasileiro".

A principal preocupação é sobre impacto ao julgamento da ação coletiva contra a BHP na Inglaterra.

Assinado na última sexta-feira (25) entre os governos federal, do Espírito Santo, de Minas e as empresas Vale, BHP e Samarco, o acordo ainda precisa ser homologado no STF. Com a repactuação, as empresas pagarão mais R$ 100 bilhões em 20 anos, além do que já foi gasto desde a tragédia de 2015, para reparações individuais e coletivas dos danos causados.

A cláusula 3 do acordo afirma que a a homologação do acordo "acarretará a extinção de todas as ações judiciais" e procedimentos administrativos. A expectativa é que isso afete cerca de 181 mil processos no Brasil.

Mas o que chamou a atenção da população atingida foi a redação do parágrafo terceiro dessa cláusula, que condiciona a adesão ao acordo e o recebimento de indenizações individuais à "desistência, retirada e/ou extinção das ações judiciais ajuizadas no exterior com pedidos formulados em decorrência do rompimento".

Ou seja, o aceite do acordo afetaria diretamente a ação coletiva que está sendo julgada em Londres, contra a BHP.

Como mostrou O Globo, a repactuação já poderia, na prática, impactar no julgamento da corte inglesa, mas não há uma associação direta, pois o tribunal do Reino Unido não é obrigado a encerrar seus processos por causa de decisões no Brasil. No entanto, especialistas acreditam que os juízes irão considerar a assinatura do acordo para definição da sentença.

A cláusula gerou reação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

— A posição do MAB é muito clara quanto ao valor das indenizações individuais propostas. Elas são totalmente irreais e insuficientes para a realidade do dano causado durante 9 anos pelo crime da Vale e BHP Billiton na bacia do Rio Doce e litoral capixaba. E essas cláusulas de quitação exigindo retirar o processo na Inglaterra é um escárnio, é uma injustiça muito grande que mostra a covardia do judiciário brasileiro — disse Joceli Andrioli, integrante da coordenação nacional do MAB.

"Contra a parede"
Em uma live na semana passada, quando o acordo foi divulgado, integrantes do MAB falaram que o acordo "poderia ser melhor, mas está razoável", e que a partir de agora cobrariam a participação dos atingidos para a execução das ações. Mas, nesta quarta (30), Andrioli disse que a população foi colocada "contra a parede", em relação ao aceite do acordo.

— Que o judiciário britânico possa avaliar que os atingidos foram aqui colocados contra a parede. É como se tivéssemos em um deserto, e tivéssemos a oportunidade de tomar um copo d'água. Mas esse copo d'água é um direito que a pessoa tem. Ele é uma entrada para não morrer de sede. Nós temos o direito de continuar tomando água. E, portanto, o Direito, ele precisa ser garantido — explicou Andrioli, em nota.

O que diz o novo acordo
O novo acordo prevê que as empresas envolvidas no acidente — Vale, BHP e Samarco — destinem R$ 100 bilhões ao governo federal, a Minas Gerais, ao Espírito Santo e a municípios afetados pelo acidente. Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.

Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões.