Caso Marielle: Delação de ex-PM é a principal evidência no processo contra os supostos mandantes
Busca por justiça agora se volta ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde mais cinco acusados devem ser julgados no ano que vem
A condenação dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes anteontem não é o fim da luta por respostas sobre o crime. Os holofotes da busca por justiça agora se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde mais cinco acusados devem ser julgados no ano que vem.
Entre eles estão o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) Domingos Brazão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) e o ex-chefe de Polícia Civil Rivaldo Barbosa.
Sob suspeita de terem ordenado o homicídio, os três foram levados ao centro da investigação pelo executor confesso Ronnie Lessa, agora condenado a 78 anos de prisão pelas mortes.
A delação do pistoleiro é a principal evidência da participação do trio no planejamento da morte de Marielle. Durante seu depoimento no julgamento desta semana, Lessa foi orientado pelos membros do Ministério Público do Rio a não citar nominalmente os irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa.
Ainda assim, durante seu interrogatório diante do júri, ele foi coerente com o que contou à Polícia Federal e à Procuradoria Geral da República (PGR) em sua delação premiada — homologada em março pelo STF.
Crime combinado
O ex-PM reafirmou, por exemplo, que, quando os mandantes apresentaram o nome de Marielle, a condição era que o assassinato não acontecesse perto da Câmara Municipal. Na delação, ele afirmou que estratégia era para evitar que o caso fosse tratado como um crime político. Se isso acontecesse, a investigação ficaria com a Polícia Federal, o que, segundo Lessa, atrapalharia os planos do trio de ter Rivaldo Barbosa interferindo na investigação feita pela Delegacia de Homicídios.
O julgamento no Supremo está na fase final. Além dos três acusados de ser mandantes, também respondem o major da Polícia Militar Ronald Paulo Alves Pereira e o ex-assessor do TCE Robson Calixto da Fonseca. Os Brazão ainda foram denunciados por organização criminosa, junto a Calixto. Todos negam as acusações.
Na última terça-feira, foi encerrada a fase da instrução da ação penal, com o depoimento das testemunhas de acusação e de defesa e dos cinco réus. Nessa etapa, novos relatos reforçaram a delação de Lessa.
De acordo com a investigação da Polícia Federal, a motivação do crime seria uma divergência política em relação à regularização fundiária de condomínios na Zona Oeste do Rio — onde os irmãos têm base eleitoral. Marielle votou contra um projeto na Câmara do Rio que, segundo a PF, favorecia “processos de especulação imobiliária e de grilagem de terras”. Em depoimento ao STF, o assessor parlamentar Arlei de Lourival Assucena corrobora essa linha: ele lembrou um episódio em que Chiquinho teria demonstrado animosidade a um voto contrário dado por Marielle sobre um projeto de lei sobre o tema.
— O vereador, para minha surpresa, teve um momento de destempero. Nunca tinha reagido comigo daquela maneira inapropriada. Ele me perguntou de quem era (o voto), e respondi que era da Marielle e do PSOL. Ele me respondeu em termos cheio de impropérios — contou no depoimento.
Ainda no STF, o general Richard Nunes, que era o secretário de Segurança Pública na época do crime, afirmou que as primeiras linhas de investigação levava a crer que a motivação do assassinato era a disputa de terras em Jacarepaguá.
— A atuação da vereadora Marielle Franco naquela área poderia ter contribuído para gerar esse tipo de animosidade... Foi relatado que ela havia tido reuniões com determinadas associações, aproximando-se delas para esclarecer questões de propriedade e atividades econômicas na região — afirmou.
Mas, se depoimentos reforçam a linha traçada pela PF, a investigação não conseguiu corroborar algumas informações devido ao lapso temporal. Os nomes de possíveis mandantes só foram revelados em 2024, quase seis anos depois do crime, quando a Polícia Federal entrou no caso por determinação do Ministério da Justiça. O próprio relatório da PF relata a dificuldade de fechar algumas lacunas por causa do tempo decorrido desde os homicídios. A submetralhadora HKMP5 usada no crime, por exemplo, nunca foi encontrada. Outro ponto é a falta de indícios que comprovem que Lessa se encontrou com os Brazão e Rivaldo Barbosa para discutir sobre o atentado. Os agentes ressaltaram no inquérito que, em investigações de homicídios, é crucial a captação de provas durante as chamadas “horas de ouro”, ou seja, os primeiros momentos após o crime. É nesse intervalo de tempo que é possível conseguir as informações mais importantes, o que não foi feito pela Delegacia de Homicídios do Rio. Neste ponto, os federais falam até em “sabotagem”.
Linhas de defesa
A tese de defesa dos irmãos Brazão e de Rivaldo é que Lessa mente ao imputá-los o mando do assassinato. O trio diz que, na verdade, o verdadeiro mandante é o ex-vereador Cristiano Girão. O ex-bombeiro sempre negou participação no crime e fontes da Polícia Federal ouvidas pelo GLOBO dizem que essa linha de investigação foi esgotada e nada contra Girão foi encontrado.
Os advogados dos irmãos Brazão e de Rivaldo também vão buscar anular a delação do ex-PM. Eles alegam que os depoimentos durante a instrução do processo no STF mostraram que as informações do pistoleiro são falsas. A defesa do major Ronald diz acreditar na absolvição do seu cliente. O GLOBO não localizou os advogados de Robson Calixto.