MARIELLE FRANCO

Caso Marielle: Delação de ex-PM é a principal evidência no processo contra os supostos mandantes

Busca por justiça agora se volta ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde mais cinco acusados devem ser julgados no ano que vem

Caso Marielle - Familiares de Marielle Franco se abraçam e choram após a sentença dos assassinos confessos de Marielle Franco - Pablo Porciuncula/AFP

A condenação dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes anteontem não é o fim da luta por respostas sobre o crime. Os holofotes da busca por justiça agora se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde mais cinco acusados devem ser julgados no ano que vem.

Entre eles estão o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) Domingos Brazão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) e o ex-chefe de Polícia Civil Rivaldo Barbosa.

Sob suspeita de terem ordenado o homicídio, os três foram levados ao centro da investigação pelo executor confesso Ronnie Lessa, agora condenado a 78 anos de prisão pelas mortes.

A delação do pistoleiro é a principal evidência da participação do trio no planejamento da morte de Marielle. Durante seu depoimento no julgamento desta semana, Lessa foi orientado pelos membros do Ministério Público do Rio a não citar nominalmente os irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa.



Ainda assim, durante seu interrogatório diante do júri, ele foi coerente com o que contou à Polícia Federal e à Procuradoria Geral da República (PGR) em sua delação premiada — homologada em março pelo STF.

Crime combinado
O ex-PM reafirmou, por exemplo, que, quando os mandantes apresentaram o nome de Marielle, a condição era que o assassinato não acontecesse perto da Câmara Municipal. Na delação, ele afirmou que estratégia era para evitar que o caso fosse tratado como um crime político. Se isso acontecesse, a investigação ficaria com a Polícia Federal, o que, segundo Lessa, atrapalharia os planos do trio de ter Rivaldo Barbosa interferindo na investigação feita pela Delegacia de Homicídios.

O julgamento no Supremo está na fase final. Além dos três acusados de ser mandantes, também respondem o major da Polícia Militar Ronald Paulo Alves Pereira e o ex-assessor do TCE Robson Calixto da Fonseca. Os Brazão ainda foram denunciados por organização criminosa, junto a Calixto. Todos negam as acusações.

Na última terça-feira, foi encerrada a fase da instrução da ação penal, com o depoimento das testemunhas de acusação e de defesa e dos cinco réus. Nessa etapa, novos relatos reforçaram a delação de Lessa.

De acordo com a investigação da Polícia Federal, a motivação do crime seria uma divergência política em relação à regularização fundiária de condomínios na Zona Oeste do Rio — onde os irmãos têm base eleitoral. Marielle votou contra um projeto na Câmara do Rio que, segundo a PF, favorecia “processos de especulação imobiliária e de grilagem de terras”. Em depoimento ao STF, o assessor parlamentar Arlei de Lourival Assucena corrobora essa linha: ele lembrou um episódio em que Chiquinho teria demonstrado animosidade a um voto contrário dado por Marielle sobre um projeto de lei sobre o tema.

— O vereador, para minha surpresa, teve um momento de destempero. Nunca tinha reagido comigo daquela maneira inapropriada. Ele me perguntou de quem era (o voto), e respondi que era da Marielle e do PSOL. Ele me respondeu em termos cheio de impropérios — contou no depoimento.

Ainda no STF, o general Richard Nunes, que era o secretário de Segurança Pública na época do crime, afirmou que as primeiras linhas de investigação levava a crer que a motivação do assassinato era a disputa de terras em Jacarepaguá.

— A atuação da vereadora Marielle Franco naquela área poderia ter contribuído para gerar esse tipo de animosidade... Foi relatado que ela havia tido reuniões com determinadas associações, aproximando-se delas para esclarecer questões de propriedade e atividades econômicas na região — afirmou.

Mas, se depoimentos reforçam a linha traçada pela PF, a investigação não conseguiu corroborar algumas informações devido ao lapso temporal. Os nomes de possíveis mandantes só foram revelados em 2024, quase seis anos depois do crime, quando a Polícia Federal entrou no caso por determinação do Ministério da Justiça. O próprio relatório da PF relata a dificuldade de fechar algumas lacunas por causa do tempo decorrido desde os homicídios. A submetralhadora HKMP5 usada no crime, por exemplo, nunca foi encontrada. Outro ponto é a falta de indícios que comprovem que Lessa se encontrou com os Brazão e Rivaldo Barbosa para discutir sobre o atentado. Os agentes ressaltaram no inquérito que, em investigações de homicídios, é crucial a captação de provas durante as chamadas “horas de ouro”, ou seja, os primeiros momentos após o crime. É nesse intervalo de tempo que é possível conseguir as informações mais importantes, o que não foi feito pela Delegacia de Homicídios do Rio. Neste ponto, os federais falam até em “sabotagem”.

Linhas de defesa
A tese de defesa dos irmãos Brazão e de Rivaldo é que Lessa mente ao imputá-los o mando do assassinato. O trio diz que, na verdade, o verdadeiro mandante é o ex-vereador Cristiano Girão. O ex-bombeiro sempre negou participação no crime e fontes da Polícia Federal ouvidas pelo GLOBO dizem que essa linha de investigação foi esgotada e nada contra Girão foi encontrado.

Os advogados dos irmãos Brazão e de Rivaldo também vão buscar anular a delação do ex-PM. Eles alegam que os depoimentos durante a instrução do processo no STF mostraram que as informações do pistoleiro são falsas. A defesa do major Ronald diz acreditar na absolvição do seu cliente. O GLOBO não localizou os advogados de Robson Calixto.