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O "estouro" de raiva de Valência contra a "errática" e polarizada classe política espanhola

"As pessoas estão furiosas porque há uma percepção (...) de incapacidade do Estado para resolver seus problemas", apontou cientista político

O rei Felipe VI da Espanha (C) fala com um morador da cidade enquanto moradores furiosos vaiavam sua visita a Paiporta, na região de Valência - Manaure Quintero / AFP

O "estouro" de raiva contra os reis e o primeiro-ministro espanhol na região de Valência, devastada pelas inundações, mostra a revolta da população ante uma classe política polarizada e que foi "errática" na hora de aliviar a situação após a tragédia, segundo analistas.

Em uma imagem sem precedentes na Espanha, os reis Felipe VI e Letizia, o chefe de Governo, Pedro Sánchez, e o presidente regional da Comunidade Valenciana, Carlos Mazón, foram recebidos no domingo (3) com gritos de "assassinos" e uma chuva de lama e objetos no município de Paiporta.

Em meio à tensão, Sánchez foi evacuado após ser alvo de agressões enquanto Mazón se retirou pouco depois, mas os reis, com as roupas e o rosto sujos de lama, dialogaram com algumas pessoas, protegidos por seguranças.

"Há mortos aqui, precisamos de máquinas!", reclamou uma jovem à rainha.

Os reis se retiraram e cancelaram a visita a uma outra localidade afetada pelas inundações da terça-feira passada, que deixaram um balanço provisório de 217 mortos.

"Não deveriam ter ido" 
Sem um número definitivo de vítimas e com localidades ainda cobertas de lama e veículos empilhados pela correnteza, "a irritação das pessoas é mais do que compreensível e acho que as autoridades neste momento não deveriam ter ido lá", estimou em declarações à AFP Pablo Simón, cientista político da Universidade Carlos III de Madrid.

"As pessoas estão furiosas porque há uma percepção (...) de incapacidade do Estado para resolver seus problemas. Houve um enorme desconcerto em relação à gestão, tanto em termos de antecipação quanto posteriormente, errática, desta crise", apontou Simón.

Uma opinião compartilhada por Paloma Román, cientista política da Universidade Complutense de Madrid, que aponta para a "descoordenação entre o Estado central e a região autônoma, que está resultando em não se chegar a todos os lugares no momento em que as pessoas precisam", o que "aumenta o descontentamento".

O fato é que o Governo regional da Comunidade Valenciana é dirigido por Mazón, do conservador Partido Popular (PP), a principal formação de oposição ao Executivo do socialista Pedro Sánchez, em um contexto de alta polarização política na Espanha.

E neste país muito descentralizado, as regiões têm muita autonomia e, para que, por exemplo, os militares possam atuar, como ocorre atualmente nas operações de resgate na Comunidade Valenciana, o Governo regional precisa solicitar.

 "Jogo de culpa" 
Diante da falta de pessoal oficial, um exército de voluntários e os próprios moradores colaboraram na limpeza e na entrega de água e comida nas áreas afetadas.

Há um "jogo de culpa entre as diferentes autoridades" sobre "quem deveria ter agido", intensificando o "estouro" da raiva da população, segundo Simón.

Como exemplo, a disputa entre os governos de Valencia e Madri sobre o atraso em alertar a população na terça-feira passada, um aviso que chegou quando algumas localidades já sofriam o pior das chuvas torrenciais.

A mensagem de alerta telefônico das autoridades de Valencia foi enviada após as 20h, apesar de a agência estatal de meteorologia ter publicado um alerta vermelho doze horas antes, um atraso pelo qual Mazón culpou nesta segunda-feira outra entidade estatal, a Confederação Hidrográfica, que desativou durante o dia até "três vezes o alerta hidrográfico".

Reis fora da "batalha política" 
De qualquer forma, a raiva em Paiporta pareceu estar dirigida principalmente contra os políticos e não contra os reis, que puderam conversar com algumas pessoas, embora em meio a uma grande tensão.

"O rei acalma Paiporta e Sánchez fica esvaziado", titulou nesta segunda-feira o diário pró-monarquia ABC, com uma foto em sua capa do rei abraçando um jovem, enquanto o El Mundo noticiou que os monarcas sofreram pelo "surto de raiva" contra Sánchez e Mazón.

"Os reis não têm atribuições de gestão, têm uma ocupação essencialmente simbólica e representativa", pelo que podem "se colocar acima da batalha política", explicou Simón.

Como fez Pedro Sánchez algumas horas após a confusão na cidade valenciana, o ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, culpou nesta segunda-feira "pessoas" e "grupos muito marginais".

Em declarações à Televisão nacional, o ministro revelou que a Guarda Civil "desde o primeiro minuto está investigando" esses fatos e "as pessoas envolvidas", com alguns meios espanhóis acusando grupos de extrema-direita.

Mas isso não deve ocultar o fato de que a população em Valencia está realmente "irritada", alertou Simón.