Israel

Assessor de Netanyahu é preso em Israel por suspeita de vazar documentos sigilosos e dificultar acor

Material teria ajudado a sustentar a decisão do premier de incluir condições rigorosas em negociações com o grupo terrorista Hamas; oposição alega que intuito era influenciar a opinião pública e fala em "crime contra a nação"

Benjamin Netanyahu faz reunião em Tel Aviv - Ohad Zwigenberg / POOL / AFP

A polícia israelense prendeu um alto assessor do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu por supostamente ter compartilhado informações confidenciais com a imprensa estrangeira. Os documentos vazados teriam ajudado a sustentar a decisão do premier de incluir condições rigorosas para um acordo de cessar-fogo com o grupo terrorista Hamas há alguns meses, quando passava por forte pressão pública por uma medida que garantisse a libertação dos reféns e o encerramento do conflito na Faixa de Gaza.

No domingo, um tribunal israelense suspendeu parcialmente uma ordem de sigilo para identificar Eliezer Feldstein, contratado no ano passado para atuar como porta-voz no gabinete de Netanyahu, como suspeito no caso.

Outros três suspeitos são integrantes da ala militar e de segurança israelense, segundo o tribunal, mas seus nomes não foram divulgados. A ordem judicial de domingo indicava que informações retiradas dos sistemas militares de Israel e emitidas ilegalmente podem ter prejudicado a capacidade do Estado judeu de libertar reféns mantidos no enclave palestino.

Entenda o caso
Em 1º de setembro, o Exército de Israel anunciou que seis reféns israelenses tinham sido encontrados mortos num túnel em Gaza, e uma onda de protestos foi registrada no Estado judeu. Um dia depois, em entrevista televisionada, Netanyahu apresentou seus argumentos para a imposição de uma nova condição para o acordo com o Hamas: a de que Israel deveria manter uma presença permanente no Corredor da Filadélfia, área ao longo da fronteira de Gaza com o Egito. Caso contrário, segundo ele, o grupo terrorista poderia contrabandear reféns para o Irã ou o Iémen, onde poderiam desaparecer para sempre.

Na ocasião, o premier também exibiu um documento manuscrito em árabe que disse ser obra de membros de alto escalão do Hamas. O material teria sido encontrado em janeiro por soldados israelenses em um posto de comando subterrâneo no enclave palestino.

O documento continha instruções para aumentar a pressão psicológica sobre Israel por meio de vídeos e imagens de reféns, lançando dúvidas sobre a narrativa do governo israelense de que sua operação terrestre em Gaza ajudaria na libertação dos sequestrados. Netanyahu afirmou que o texto mostrava a estratégia do grupo de semear discórdia interna em Israel e sugeriu que os protestos contra seu governo favoreciam os interesses do Hamas.

Em 5 de setembro, pouco após a entrevista do primeiro-ministro, o Jewish Chronicle, um jornal comunitário britânico, publicou uma reportagem de Elon Perry. O jornalista disse ter obtido informações da Inteligência israelense que mostravam que o líder do Hamas, Yahya Sinwar, estaria se preparando para fugir de Gaza pelo Corredor da Filadélfia levando reféns israelenses com ele.

A matéria citava que as informações foram obtidas de um alto membro do Hamas interrogado em Israel, além de documentos apreendidos no dia em que os corpos dos seis reféns foram recuperados. O filho do premier, Yair Netanyahu, divulgou o artigo nas redes sociais.

Questionado sobre a reportagem do Jewish Chronicle, o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz do Exército de Israel, disse não ter conhecimento de nenhuma informação de Inteligência ou plano nesse sentido por parte de Sinwar. Tempos depois, o Jewish Chronicle retirou do ar essa e outras matérias escritas por Perry, encerrando sua associação com ele.

Em 6 de setembro, um dia após a publicação do artigo no Jewish Chronicle, o jornal alemão Bild publicou um artigo que afirmava ser baseado em um documento do Hamas. Segundo a reportagem, o material supostamente mostrava o plano de guerra psicológica que o grupo palestino buscava travar contra Israel sobre os reféns, alegando que o Hamas não tinha pressa em chegar a um acordo ou acabar com a guerra. Parte das mensagens era semelhante aos pontos que Netanyahu abordou em sua entrevista televisionada.

Dois dias depois, em 8 de setembro, o Exército israelense emitiu uma declaração dizendo que o documento citado no artigo do Bild tinha sido encontrado cinco meses antes, e que continha recomendações de "integrantes de médio escalão do Hamas, e não de Sinwar", como o título do jornal alemão pode ter sugerido. O material tinha informações semelhantes às encontradas em documentos anteriores, disse o Exército, acrescentando que o vazamento do material "constitui uma grave violação".

Após a publicação das histórias em setembro, as Forças Armadas de Israel iniciaram uma investigação para descobrir a origem dos vazamentos. Isso levou à prisão de quatro pessoas, incluindo Feldstein, que frequentemente era visto acompanhando o primeiro-ministro.

Segundo publicado pela rede britânica BBC, ele já havia trabalhado para o ministro da Segurança Nacional, o político de extrema-direita Itamar Ben-Gvir, e antes disso atuou como porta-voz do Exército. Netanyahu não foi interrogado sobre as alegações, e seu gabinete negou ter vazado informações.

Campanha de desinformação
Em uma de suas primeiras declarações sobre o caso, o gabinete do premier afirmou na sexta-feira que ninguém de seu escritório havia sido interrogado ou detido. No sábado, porém, o gabinete ofereceu uma versão diferente: disse que o suspeito em questão posteriormente identificado como Feldstein nunca participou de discussões de segurança e não teve acesso ou recebeu informações confidenciais.

O gabinete também acusou as autoridades de conduzirem uma investigação seletiva e tendenciosa, argumentando que diversas reportagens foram publicadas com base em informações vazadas durante a guerra sem maiores consequências.

Familiares dos reféns mantidos em Gaza, por outro lado, acusaram Netanyahu de repetidamente frustrar o avanço dos acordos com o Hamas porque, segundo eles, o fim da guerra no enclave forçaria o primeiro-ministro a realizar novas eleições.

Após a suspensão da ordem de sigilo pelo tribunal no domingo, os familiares dos reféns também afirmaram que há "suspeitas de que pessoas associadas ao premier agiram para realizar um dos maiores casos de fraude da História do país".

Benny Gantz, militar que até recentemente fazia parte do gabinete de guerra de Netanyahu, disse que, se informações de segurança sensíveis foram usadas em uma "campanha de sobrevivência política", isso não só seria uma infração criminal, mas "um crime contra a nação". Já o líder da oposição, Yair Lapid, acusou o gabinete do primeiro-ministro de vazar "documentos secretos forjados para sabotar a possibilidade de um acordo de reféns e influenciar a opinião pública contra as famílias dos reféns".

Ele disse, ainda, que se Netanyahu sabia dos vazamentos, ele "é cúmplice de um dos crimes de segurança mais graves", e que, se não sabia, não está apto para o cargo.