Música

Quincy Jones e Michael Jackson: confira os sucessos que transformaram o pop nos anos 1980

Produtor e cantor gravaram juntos os álbuns 'Off the wall', 'Thriller' e 'Bad'

Jones faleceu neste último domingo (3), aos 91 anos - AP Photos/Divulgação

Quincy Jones conheceu Michael Jackson no início dos anos 1970 na casa de Sammy Davis Jr., em Los Angeles, quando o garoto de 12 anos ainda era um cantor de soul chiclete liderando seus irmãos no Jackson 5. Mas o segundo encontro entre os dois, no final daquela década, foi o mais crucial, tanto para eles quanto para o futuro da música pop. Jackson conseguiu um papel como Espantalho em "O mágico inesquecível"; e Jones foi contratado como supervisor musical do filme.

O que veio a seguir consolidou um dos relacionamentos musicais mais celebrados de todos os tempos. A união do notável compositor, arranjador e produtor de jazz e R&B com a estrela infantil em busca de uma carreira de sucesso deu origem a três álbuns que continuam sendo um marco na carreira que transformou a música pop na década de 1980.

Jones, que morreu domingo aos 91 anos, falava bastante sobre sua relação de trabalho com Jackson. Numa entrevista ao "New York Times", disse: “Você estava olhando para uma das crianças mais talentosas da história do show business. Michael era muito observador e detalhista. Quando juntamos isso com minha experiência em arranjos e composições de big band, não tínhamos limites.”

"Off the Wall"

Para "Off the Wall" (1979), álbum de estreia solo de Michael Jackson, Jones convocou sua ampla rede de músicos de estúdio e colaboradores. Entre eles Rod Temperton, da banda Heatwave, para escrever músicas para o álbum, incluindo "Rock With You" e "Burn This Disco Out". "Don't Stop 'Til You Get Enough", o single que estabeleceu os grooves disco do álbum, rendeu a Jackson seu primeiro Grammy solo de melhor performance vocal masculina de R&B.

O LP foi disco de platina naquele ano (desde então, foi nove vezes disco de platina), mas ganhou poucos prêmios e chegou num momento de reação contra a música disco, no início dos anos 80. Assim, Jones e Jackson voltaram ao estúdio com uma missão renovada de aperfeiçoar seus esforços.

"Thriller"

"Por que não podemos fazer todas as músicas tão boas que as pessoas vão querer comprar mesmo se você lançar como compacto?", disse Jackson numa entrevista para a revista Ebony, em 2007. "Esse era meu propósito para o próximo álbum. Essa era a ideia.”

Mas o intenso processo de gravação de “Thriller” (1982) prejudicaria o relacionamento entre os dois. A primeira audição do álbum, com forte influência do rock, foi tão ruim que levou Jackson às lágrimas, escreveu Jones num ensaio para o "Los Angeles Times", em 2009. Então a equipe trabalhou para reformular as canções, mixando uma música por dia. Para esse disco, Jones convocou membros da banda Toto e convenceu o relutante guitarrista Eddie Van Halen a fazer um solo em “Beat It”.

“Thriller” se tornou o disco mais vendido de todos os tempos e ganhou um recorde de oito Grammys. Com suas performances televisionadas de “Billie Jean” e videoclipes pioneiros para as canções, Jackson fez do álbum um marco pop inescapável.

“‘Thriller’ toca em rádios de rock voltadas a jovens brancos, e em estações de música dançante que atraem principalmente negros”, escreveu o crítico Jon Pareles no "Times", em 1984. “Antes de ‘Thriller’, poucos artistas conseguiam cruzar essa sutil linha de cor. Algo semelhante ocorreu na televisão, onde os videoclipes de Jackson são exibidos em programas que raramente apresentam artistas negros.”

O álbum redefiniu “o quão grande e culturalmente relevante um produto de entretenimento comercial poderia ser”, escreveu Nelson George em “Thriller: The musical life of Michael Jackson”. Ele acrescentou: “Um sucesso tão imenso pode ser visto, em retrospectiva, não apenas como o começo de algo, mas também o fim de uma era. ‘Thriller’ foi ambos.”

"Bad"

O sucesso acabou alienando Jackson, que se distanciou de mentores, entre eles Quincy Jones. Em meados da década de 1980, quando os dois se reuniram para criar "Bad", Jackson havia assumido mais controle sobre sua carreira e processo criativo. Ele escreveu nove das 11 músicas do LP e o coproduziu com Jones.

"Havia muita tensão porque sentíamos que estávamos competindo com nós mesmos", disse Jackson sobre a criação de "Bad", em seu site oficial. "É muito difícil criar algo quando você sente que está competindo consigo mesmo porque as pessoas sempre vão comparar 'Bad' a 'Thriller'."

Ainda assim, "Bad" foi outro sucesso no topo das paradas. Cinco dos singles do álbum — "I Just Can't Stop Loving You", "Bad", "The Way You Make Me Feel", "Man in the Mirror" e "Dirty Diana" — foram número 1. A dupla se separou logo após o lançamento e, de acordo com Jones, Jackson sentiu que o produtor estava fora de sintonia com as músicas mais novas.

"Ele disse ao seu empresário que eu estava perdendo o controle", disse Jones na entrevista ao Times, "que eu não entendia o negócio porque não entendia em 1987 que o rap estava morto. O rap não estava morto. O rap nem tinha começado ainda."

O afastamento

Os dois continuaram a fazer música, mas nunca mais alcançariam o sucesso comercial daqueles três álbuns. Após a morte de Jackson aos 50 anos, em 2009, o interesse em sua música aumentou, complicando a relação comercial dos artistas envolvidos. Em 2013, Jones processou o espólio de Jackson por royalties pela música usada em dois shows do Cirque du Soleil e em "This Is It", um documentário de 2009 sobre Jackson que arrecadou centenas de milhões de dólares. Jones recebeu inicialmente US$ 9,4 milhões em danos, mas um tribunal de apelação da Califórnia rejeitou posteriormente sua reivindicação à maior parte desse dinheiro.

Em 2018, Jones criticou vários músicos, incluindo Jackson, numa entrevista com a revista "New York", chamando seu antigo colaborador de "maquiavélico". Ele depois pediria desculpas por essa entrevista.

Anos antes, no ensaio do "Los Angeles Times", ele havia descrito o legado do trabalho deles juntos, escrevendo que Jackson e ele “compartilharam os anos 80, alcançando alturas que posso dizer humildemente que nunca mais serão alcançadas”.

“Muito será escrito sobre o que veio a seguir na vida de Michael, mas para mim tudo isso é apenas ruído”, acrescentou. “Eu garanto a vocês que em 50, 75, 100 anos, o que será lembrado é a música”.