OPINIÃO

Sobre a magistratura e a advocacia

Em artigo publicado na prestigiosa Folha de São Paulo, em 3/11/2024, o filósofo, escritor, ensaísta e professor universitário Luis Felipe Pondé afirma que A existência de advogados e juízes prova que tendemos ao mau caratismo. Como se vê, o eminente e brilhante pensador, escreveu o que entende sobre a atividade laboral dos operadores do Direito. Estes são os que protagonizam, de par com o Ministério Público, a busca pela implementação de Justiça, como corolário da solução de uma miríade de conflitos judiciais que materializam o Estado de Direito, tal como deve ser, tal como preconiza Rui Barbosa - Com a lei, pela lei e dentro da lei, porque fora dela não há salvação. Pondé, ao inciar seu texto, assinala que: Não fosse pelos salamaleques gestuais e figurinos do Direito, todos nós notaríamos o vazio de qualquer vínculo das leis com o bem. Com efeito, a nós parece que o eminente filósofo incorreu em substancial equívoco semântico, ao negar relação de causalidade entre o Direito positivo - aquele que é aplicado e a conduta humana em sua interferência intersubjetiva, e integridade moral presumida daqueles que o fazem funcionar na prática. Vale lembrar o princípio ubi societas, ibi jus, uma locução latina, que significa: onde há sociedade, há Direito. A expressão é atribuída ao jurista romano Eneo Domício Ulpiano (150-223 d.C.). Ele destaca a ideia de que o Direito é inerente às relações humanas e necessário para a convivência em sociedade. Resta evidente, que inexiste esse vazio, essa lacuna entre o Ordenamento Jurídico que baliza as relações humanas, da superfície até os mais longinquos grotões deste planeta e a persecução ao bem estar e a paz social. Não há o menor indício ou prova de que o Estado de Direito em sua acepção originária, tenha a menor relação, por mais remota que seja, com a prática de quaisquer atos de maldade para com a população e o povo politicamente ativo.

Almas superficiais, as mais adaptadas à vida social e política -já que a democracia as premia-, diriam que a direita no Brasil deu no bolsonarismo e marçalismo -que alguns tratam como "vírus", imagine se a direita tratasse elementos da esquerda como "vírus" num argumento tido como parte da inteligência públical, refere Pondé. Em seguida arremata: Não entendo por natureza humana nenhuma herança do pecado original, nenhuma estrutura biológica selecionada ao longo da evolução da espécie ou nenhuma forma pessimista de estrutura psíquica imutável. Poderia, sim, sustentar tais hipóteses, mas não seria este o momento, nem preciso fazê-lo para manter a hipótese aqui citada como sendo "a natureza humana tende inexoravelmente ao mau-caratismo" -já disse que a existência pura e simples dos advogados e juízes são uma prova incontestável dessa hipótese. Não há dúvida que o eminente cientista Pòndé, admite ter sentimentos de notável antipatia e desprezo para com aqueles que trabalham diuturnamente, submetidos a pressões de toda ordem, a fim de que a vida gregária humana cumpra seu dever de espécie, missão divina delegada por Deus. Afinal de contas, não é por acaso que habitamos este mundo há milhões e milhões de anos, andando pra lá e pra cá, graças à Lei da Gravidade, girando em torno de si, e ao mesmo tempo, orbitando em torno do sol, sem que nada nos aconteça. A vida humana segue, mesmo sob condições não raras vezes, adversas, mas implementadas pela vontade divina, através do Senhor de Todas as Coisas, que configura, à sua maneira, o caos e o firmamento. Diante dessa perspectiva, vendo, vivendo e sentindo as emoções, que são o tempero à nossa existência e finitude, faz sentido nesse percurso, a ideia de uma constante luta do bem contra o mal. 

Agora, atribuir mau caratismo, àqueles que lutam para manter a ordem social a salvo, em todo território nacional, soa uma ofensa genérica a todos aqueles que colaboram com a administração da Justiça, neste caso, os Magistrados e Advogados. Ao que tudo indica, o digno e honrado Doutor Luis Felipe Pondé, através de sua retórica equivocada, revela desconforto em conviver num Estado de Direito. Seu texto simula uma avaliação filosófica sobre a conduta dos atores do mundo jurídico, para a qual não tem lastro empírico, por força da sua ignorância da espécie. Que autoridade intelectual, política ou jurídica, tem ele, para emitir esse juízo de valor negativo, sobre um segmento profissional integrado por mais de um milhão de individuos (só no Brasil, há cerca de 1.450.000 advogados, sendo metade integrada por mulheres). Do seu maniqueismo específico, repito, sem lastro empírico, estatatistico e humanista, se infere a ausência lapidar de premissas fundadas na experiência subjetiva, objetiva e até cognitiva, do tema abordado. Trata-se de um filósofo profissional, ofício novel, que se mostra difícil de exercer, sem cair na senda do mundo real, que lhe captura a existência ontológica, do ser enquanto ser. Sem esquecer os Magistrados e Promotores de Justiça. Errar é humano, Sr. Pondé. Vida que segue.

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*Advogado

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