BRASIL

STF bate recorde de processos levados à conciliação, mas enfrenta críticas em casos sensíveis

Corte amplia estratégia de solução de conflitos sob gestão de Barroso, com temas que vão de terras indígenas a emendas

Supremo Tribunal Federal - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal ( STF) tem reforçado a estratégia de encaminhar temas relevantes em discussão na Corte para tentativas de conciliação. Os casos de negociação de soluções alternativas para conflitos vão das regras de transparência para emendas parlamentares ao marco temporal para demarcação de terras indígenas. Neste ano, já foram 16 acordos desse tipo homologados, além de outros 15 em 2023. Em 2021 e 2022, houve cinco homologações em cada ano.

Os 11 ministros da Corte têm temas tratados pelo Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol) do tribunal. A alta demanda causada pelas audiências já virou um tema de reivindicações dos magistrados para que haja uma ampliação do setor, com mais servidores e estrutura.

De acordo com dados do Nusol, 100 processos já foram enviados para conciliação, dos quais 45 tiveram acordos homologados. Em 21, não houve entendimento, e 34 ainda estão em discussão. Parte das ações trata do mesmo tema.

Pauta variada
Na lista de casos homologados, está um acordo recente definindo parâmetros para a concessão judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Já entre os casos discutidos no momento estão a implementação de medidas contra incêndios na Amazônia e no Pantanal e a divisão dos royalties do petróleo. A Corte também realizou nos últimos meses audiências de conciliação com representantes do Legislativo e Executivos para discutir providências adotadas para garantir a transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares.

Em alguns casos, a estratégia de conciliação recebe críticas, como a definição de um marco temporal para demarcação de terras indígenas. Em agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deixou a negociação por não concordar com os termos, mas o processo segue sem a participação da entidade. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) atua como observadora, e não como membro efetivo da conciliação.

A juíza auxiliar na presidência do STF Trícia Navarro, responsável pelo núcleo, rebateu as reclamações contra o modelo e afirmou que a conciliação tem um potencial maior de satisfazer todos os envolvidos.

— A crítica não se sustenta. Existem inúmeras questões que podem ser resolvidas mediante a construção de diálogo interinstitucional, em benefício das comunidades indígenas. Cada caso enviado ao Nusol deve ser tratado de forma customizada, com o diagnóstico das características dos conflitos, suas dificuldades e desafios, inclusive o que pode ou não ser negociado — afirma.

O núcleo que trata das negociações, no seu formato atual, foi criado em 2023, durante a gestão do presidente Luís Roberto Barroso, e incorporou funções do centro de mediação instituído três anos antes. Além do entendimento entre as partes, todo acordo precisa ser homologado pelo relator, e essa decisão é posteriormente confirmada pelos demais ministros.

A professora Maria Cecília de Araujo Asperti, da FGV Direito SP, analisou os casos de conciliação no STF em um artigo publicado em maio, com coautoria de Danieli Rocha Chiuzuli. Para ela, não há um critério claro para os casos serem enviados para a negociação.

— Essa regra não existe de forma clara na regulamentação. E também não observamos um padrão, porque as decisões que selecionam os casos para a tentativa de conciliação são bem genéricas — afirma.

Já foram definidas por conciliações, por exemplo, a gestão compartilhada de Fernando de Noronha entre os governos federal e de Pernambuco, a proibição de apreensão de crianças e adolescentes na Operação Verão do Rio de Janeiro e o fim de limites de vagas para mulheres em concursos para a Polícia Militar do Rio, Distrito Federal, Pará e Mato Grosso. Um dos primeiros acordos registrados foi o fechado em 2018 entre poupadores e bancos, referente a planos econômicos dos anos de 1980 e 1990. Foram os casos dos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991) — já o Collor 1 (1990), que confiscou a poupança, ficou fora do acerto.