Autor de "Macacos", Clayton Nascimento apresenta "Falas negras" na Globo e adianta nova peça
Recém-chegado de turnê internacional do espetáculo sucesso de público e crítica, ele segiu direto para filmar comédia no Piauí
Foi numa universidade que a peça de teatro “Macacos” ganhou as primeiras linhas, há exatos dez anos. O autor, ator e diretor Clayton Nascimento era aluno de graduação de Educomunicação e morava no alojamento da USP quando assistiu pela TV a xingamentos proferidos por torcedores a um jogador numa partida de futebol.
Do episódio, surgiram reflexões sobre as dores da violência e do racismo — e a ressignificação delas a partir do conhecimento — que fizeram a peça ganhar cada vez mais camadas.
A estrutura atual, com mais de duas horas de duração, começou a lotar teatros há dois anos e elevou Clayton ao status de potência artística, com reconhecimentos e convites, principalmente no audiovisual.
Na semana que vem, marcando o Dia da Consciência Negra, quarta-feira, ele apresenta o programa especial “Falas negras”, da TV Globo, após a novela das 21h.
Ele acaba de de retornar da primeira turnê internacional de sua peça, e seguiu direto para o interior do Piauí, para filmar uma comédia com o ator Silvero Pereira para os cinemas.
Não será o único trabalho para as telonas. Ele também estrela o infantil “Clarice vê estrelas”, que chega às salas do país no ano que vem.
O mesmo Brasil
O que não impede que “Macacos” continue em cartaz nos palcos, sempre com plateia lotada e em sintonia com as manchetes atuais (no Teatro Riachuelo, no Centro do Rio, as sessões especiais dos próximos sábado e domingo já estão lotadas).
Quando decidiu contar a história de Eduardo de Jesus, assassinado pela PM do Rio aos 6 anos na porta de casa, no Complexo do Alemão, em 2015, podia estar falando do menino Ryan, de 4 anos, morador de Santos, que morreu de forma semelhante há menos de uma semana.
Ou da menina Ágatha Felix, baleada aos 8 anos 2019, num crime que só agora teve julgamento (em que o policial acusado foi absolvido).
Nascido no Jabaquara, periferia de São Paulo, e filho da manicure Maria do Carmo e do encanador Crispin — que morreram antes de ver o sucesso do filho —, Clayton se emociona na conversa com o Globo ao enumerar o que o espetáculo lhe trouxe.
"Estou mais seguro comigo. Acho que hoje encontrei segurança profissional, consigo consumir mais conhecimento, posso comprar finalmente os livros que sempre quis ter lido. Posso olhar uma roupa e falar: “Ai, que bonita. Vou dividir, mas vou comprar!" diz. "Sempre quis ver os quadros “A criação de Adão” (afresco de Michelangelo) e “O nascimento de Vênus” (de Botticelli). Parecia impossível, mas consegui"
Outros caminhos
O Clayton de 2024 tem que se virar para dar conta de todas as demandas artísticas, sem abandonar a academia onde tudo começou.
É professor da graduação do Teatro Escola Célia Helena, em São Paulo, e está prestes a defender uma dissertação de mestrado sobre “manifestações artísticas pretas no Brasil de 1500 a 1800” pela USP.
Por isso, ficou tocado com a quantidade de pessoas que foram até seu perfil no Instagram para contar que citaram “Macacos” na redação deste Enem, cujo tema foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”:
"Vivemos um momento de grande respeito histórico. Esse é o tema da redação, a nação refletindo sobre a importância da negritude, (o jogador) Vini Jr. deixando uma lição e um aprendizado para o mundo, meu espetáculo está em cartaz"
Ele faz questão de ressaltar que a permanência de “Macacos”nos palcos está condicionada a uma pessoa: Terezinha de Jesus, a mãe de Eduardo.
Por causa do espetáculo, o caso foi reaberto pelo Ministério Público em setembro de 2023.
"Somos a primeira peça da história do teatro brasileiro que consegue reabrir um caso na Justiça. Então, tenho um combinado com a Terezinha: vou levar esse monólogo até quando ela olhar para mim e disser que está tranquila e alcançou justiça. Eu comecei a ouvir dela que está feliz" diz Clayton, que a colocou na equipe da produção.
Uma nova obra, no entanto, está engatilhada. O protagonismo, desta vez, será feminino, adianta.
"Quero partir para o próximo ponto: a vitória negra. Trazer, neste novo texto, uma mulher preta que vai vencer grandes momentos da história pelo conhecimento. Vamos ver um processo de liberdade de uma protagonista mulher negra. Ai, já estou falando bastante (risos)"
Falas
No próximo dia 20, pela primeira vez feriado nacional do Dia da Consciência Negra, Clayton Nascimento vai aparecer na TV Globo, depois de “Mania de você”, para discutir encarceramento de pessoas negras e reconhecimento fotográfico de suspeitos.
Ele é o apresentador, cocriador e um dos roteiristas do especial “Falas negras”, que mistura experimento social e dramaturgia no julgamento fictício, mas com pessoas reais como juradas, de Wesley Cosme da Silva.
O jovem de 21 anos é acusado e preso por matar um adolescente, e a mãe da vítima o reconheceu na delegacia depois de ser apresentada a um “catálogo de suspeitos”.
O episódio teve direção artística de Antonia Prado e foi escrito pelo artista e por Mariana Jaspe.
"Escrevemos essa narrativa para falar de que forma a cor da pele pode influenciar o modo de fazer justiça no Brasil" diz Clayton."A parte do experimento é quando o povo acompanha o julgamento e precisa se colocar diante deste tribunal. E assim a gente vai descobrindo aos poucos como a sociedade olha para os corpos negros. É um jeito de trazer o público de casa para refletir junto, afinal de contas, a sociedade cresce quando joga junto"
Além da participação do público, o programa tem especialistas em História e Direito para contar como o Brasil, ao longo de séculos, encarcera em massa e injustamente as pessoas em função de critérios como raça.
Esta participação em “Falas negras”, que, inicialmente, ia acontecer apenas atrás das câmeras na criação e no roteiro, marca a volta do ator à tela da TV Globo.
Antes, ele havia participado da segunda temporada da série do Globoplay “Carcereiros”, que ganhou exibição na TV aberta, e depois esteve no elenco de “Fuzuê”, novela da faixa das 19h, em 2023. Desejo para estar em outro folhetim não falta.
"Quero fazer mais porque agora entendi um pouco (como é)" conta. "Passei os nove meses da novela, além de interpretar, observando tudo. Foi difícil. O primeiro mês foi bastante assustador, porque eu pensava: cuidado, não é (para ser) tão expansivo, porque não é teatral, mas não pode ser tão contido. Só fui encontrar verdadeiro conforto no terceiro mês de novela"