Líbia anuncia criação de polícia da moral para impor uso do véu às mulheres a partir dos 9 anos
Interpretação rigorosa da lei islâmica inclui a proibição de viagens de mulheres sem a companhia de um 'guardião' masculino
A Líbia, país norte-africano rico em gás de petróleo e ponto estratégico no controle dos fluxos migratórios para a Europa, permanece fragmentada e assolada pela violência de grupos armados 13 anos após a queda do regime de Muammar Gaddafi (1942-2011).
À beira de se tornar um Estado falido, a situação pode piorar ainda mais: o ministro interino do Interior do país, Emad Trabelsi, anunciou a criação de uma polícia da moralidade. Essa força será responsável por garantir a imposição do véu islâmico a todas as mulheres a partir dos 9 anos de idade.
A interpretação rigorosa da sharia, ou lei islâmica, proposta por Trabelsi inclui a proibição de viagens de mulheres sem a companhia de um “guardião” masculino e a segregação entre homens e mulheres em espaços públicos.
Organizações da sociedade civil, ONGs internacionais de direitos humanos e a União Europeia (UE) têm criticado a criação da polícia da moralidade, comparando-a à existente no Irã, por contrariar os princípios de não discriminação da Declaração Constitucional da Líbia.
O documento, considerado a lei fundamental provisória do país desde 2011, foi aprovado após a queda de Gaddafi.
Trabelsi já liderou milícias conhecidas como a Agência Pública de Segurança, acusadas pela Anistia Internacional de cometer graves violações contra migrantes e refugiados em trânsito na Líbia, atos considerados contrários ao direito humanitário internacional.
O ministro controverso pertence ao Governo de Unidade Nacional, que controla Trípoli e o oeste do país, reconhecido pela comunidade internacional.
O governo é liderado pelo empresário Abdelhamid Dabeiba, que conta com o apoio direto da Turquia e do Catar.
Já no leste do país, o marechal Khalifa Haftar, exilado nos Estados Unidos durante o regime de Gaddafi, domina a região com apoio do Egito e dos Emirados Árabes Unidos.
Medidas restritivas e reações
As novas medidas anunciadas pelo ministro do Interior incluem ameaças de prisão para casais não casados flagrados em público, além do fechamento de estabelecimentos onde ocorram interações entre homens e mulheres, como salões de narguilé e cabeleireiros.
Trabelsi declarou que “não há espaço para liberdade pessoal na Líbia” e que o uso do véu islâmico será obrigatório. Mulheres que se recusarem a aderir às regras devem “deixar o país”, afirmou.
Juristas como Mohamed Abdel Salam argumentam que Trabelsi não tem autoridade para alterar a legislação por meio do poder executivo, pois isso viola normas fundamentais de liberdade pessoal.
Embora a Constituição líbia reconheça a sharia como princípio orientador, também garante direitos contra a discriminação, acima de preceitos religiosos.
A ONG Comissão Nacional de Direitos Humanos da Líbia pediu ao procurador-geral que suspenda a criação da força policial. Layla Ben Jalifa, uma figura política proeminente, acusou Trabelsi de tentar conquistar o apoio de setores mais conservadores para futuras eleições.
Ao mesmo tempo, ONGs como a Human Rights Watch (HRW) denunciaram as restrições às viagens de mulheres como “flagrante violação dos direitos das mulheres e meninas líbias”.
Desde 2023, as mulheres precisam preencher formulários nas fronteiras para justificar viagens sem autorização de um familiar masculino.
Bassam al Kantar, pesquisador da Anistia Internacional, alertou que essas medidas representam uma escalada perigosa na repressão já sufocante contra quem não se submete às normas sociais dominantes no país.
A Comissão Internacional de Juristas questionou a brigada de “valores e tradições” criada por Trabelsi, lembrando que a Líbia já havia instituído em 2023 o programa de “guardiões da virtude” para combater “desvios religiosos e morais”.
O embaixador da UE na Líbia, Nicola Orlando, ressaltou que os acordos de associação entre a União Europeia e o país dependem do respeito aos direitos humanos universais.