Explosão de homem-bomba reacende debate sobre segurança e cercamento de prédios em Brasília
O Palácio do Planalto foi o único a não recolocar as grades que impedem a aproximação do público
Brasília amanheceu na quinta-feira passada com carros de polícia ao longo da Esplanada dos Ministérios, vias do entorno da Praça dos Três Poderes fechadas e grades ao redor do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
As explosões de um homem-bomba na noite anterior elevaram o alerta de autoridades sobre a segurança dos prédios públicos — e reacendeu o debate a respeito da necessidade de adaptações no projeto arquitetônico da capital federal, considerado Patrimônio Mundial pela Unesco.
A discussão colocou em lados opostos o governo do Distrito Federal, responsável por proteger os prédios públicos da capital, e a gestão de Lula.
O Palácio do Planalto foi o único a não recolocar as grades que impedem a aproximação do público após as explosões em frente ao STF e em um dos estacionamentos da Câmara.
A sede do Poder Executivo se opõe ao retorno das barreiras metálicas, retiradas após quase uma década com o slogan propagandeado pelo governo Lula de que a “democracia não precisa de muros”.
Nos bastidores, porém, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) mudou a rotina de segurança do Planalto — e acionou o chamado Plano Escudo, que aumenta o número de agentes e de soldados da tropa de choque do Exército no entorno da sede da Presidência da República.
A pasta afirmou também ter ampliado o monitoramento no entorno das residências oficiais, onde vivem Lula e o seu vice, Geraldo Alckmin.
O governo do DF, responsável pela segurança da Praça dos Três Poderes, discorda do governo federal e defende a recolocação dos gradis.
— Defendemos a utilização dos gradis. Mais do que os gradis, é importante trabalharmos com informações de inteligência. É preciso mudar procedimentos para tentar prever esses ataques — afirma o secretário de Segurança do Distrito Federal, Sandro Avelar, que pretende criar uma divisão antiterrorista na Polícia Civil local. — Brasília é um para-raio de radicais, porque tem as autoridades mais importantes dos três Poderes.
Acesso fechado
Além dos gradis, estão sendo estudadas pelas equipes de seguranças de Brasília medidas como restrições de circulação de visitantes, instalações de câmeras e mudanças estruturais que dificultem ataques como o da semana passada.
No Senado, o chefe da Polícia Legislativa, Alessandro Morales, disse que discutirá com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o fechamento de um dos principais acessos ao prédio, conhecido como chapelaria.
Localizada no subsolo do prédio de 26 andares projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a chapelaria costuma ser o principal acesso para quem chega de carro no Congresso.
O local fica logo abaixo dos plenários da Câmara e do Senado e é frequentado por parlamentares, assessores, autoridades e visitantes.
— Acho que é o único lugar do mundo onde o Parlamento é tão sensível. Esse carro (que detonou artefatos no estacionamento da Câmara) poderia estar na chapelaria e ter explodido tudo — diz Morales.
Porém, por serem prédios tombados, qualquer mudança nas sedes dos Poderes precisará antes passar pelo crivo e autorização do Iphan. Na capital federal planejada sem muros ao redor dos prédios públicos, a colocação de grades necessita de aval do órgão.
— As grades não dão mais segurança aos palácios. Sabemos que não representam segurança efetiva, não blindam nem impedem ataques, mas podem de alguma maneira gerar impressão de maior segurança — afirma o presidente do Iphan, Leandro Grass.
Representantes da Câmara, do Senado, do STF e Iphan se reunirão nesta semana para discutir as medidas de segurança que estão sendo planejadas pelos órgãos públicos.
Grass antecipa ser preciso manter a ideia do projeto original de Brasília, que passa a sensação de ser acessível a qualquer um:
— Os edifícios de vidro reforçam o princípio de transparência e acesso da população às instituições.
Para o arquiteto Paulo Niemeyer, neto de Oscar, qualquer mudança na estrutura da capital descaracteriza o projeto arquitetônico — inclusive as grades que por vezes cercam os prédios.
Ele avalia ser possível buscar outras maneiras de dar mais segurança à Esplanada, com aumento de câmeras de monitoramento e policiais.
— Hoje a tecnologia da informação resolve tudo. A cidade pode ser inteligente. Resolver com arquitetura, com obstáculos, não adianta nada. O negócio é tecnologia da informação — avalia o arquiteto.
Secretário de Segurança Multidimensional da Organização dos Estados Americanos (OEA), Ivan Marques concorda com Paulo Niemeyer e afirma ser um erro impedir o acesso da população ao Congresso, STF ou Planalto frente às ameaças. Para ele, a segurança “vai além de gradear prédios públicos e colocar polícia em patrulhamento”:
— O melhor instrumento de combate a atentados terroristas é uma rede de segurança nacional com intercâmbio de informação constante e redução de burocracia.
Em outras capitais do mundo, episódios semelhantes ao de Brasília motivaram mudanças. Em Washington, nos Estados Unidos, houve a criação de um plano de segurança com um perímetro de isolamento ao redor dos prédios federais — geralmente não inferior a 15 metros.
Isso ocorreu depois que houve o pouso de um pequeno avião nos jardins da Casa Branca em 1994.
A preocupação com segurança ganhou nova urgência com o 11 de Setembro de 2001. As barreiras, antes temporárias, foram se tornando permanentes e juntando-se a outras formas mais invisíveis de controle, como câmeras, snipers e seguranças com armas letais.
Após o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, os arredores do prédio do Congresso foram isolados com barreiras e segurança maciça.
O Reino Unido também precisou se adaptar frente às ameaças. O acesso de veículos à Downing Street, rua onde fica a sede do governo britânico, foi vetado em 1973 em meio aos conflitos na Irlanda do Norte.
Barreiras móveis foram postas no início dos anos 1980 — e só foram substituídas por grades em 1989, com o medo de ataques terroristas.
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário de segurança do DF, Arthur Trindade afirma que o Brasil era uma exceção no mundo em relação a atentados terroristas, e que o episódio da última semana mostra que isso mudou:
— As forças de segurança vão ter que repensar o sistema, que deve evoluir para um esquema que vise a proteção contra ataques terroristas, como existe em outros países.