Polarização de gêneros: voto masculino favorece conservadores em países como Brasil, Argentina e EUA
Esse cenário ficou mais evidente nas capitais brasileiras em que um dos candidatos apelou ao bolsonarimo e teve um adversário de esquerda, ou com uma aliança anti-bolsonarista, que aglutinou a preferência das mulheres
O segundo turno das eleições municipais no Brasil reproduziu um fenômeno mundial de predominância do voto masculino em candidatos mais à direita.
O comportamento, similar ao observado em disputas presidenciais recentes em países como Estados Unidos e Argentina, ficou mais evidente nas capitais brasileiras em que um dos candidatos apelou ao bolsonarimo e teve um adversário de esquerda, ou com uma aliança anti-bolsonarista, que aglutinou a preferência das mulheres.
Eleitores e pesquisadores avaliam que os gêneros, embora não expliquem por si só os comportamentos de eleitores, têm delineado uma maior aceitação ou rejeição a determinados perfis de candidaturas, o que pode explicar a opção final de voto em cenários polarizados.
Segundo a cientista política Larissa Marques, mestre pela Universidade de Brasília (UnB) com a tese “Gênero e conservadorismo: atitudes políticas no Brasil”, a clivagem de gênero norte-americana se acentuou a partir da década de 1960, em um contexto de luta por ampliação de direitos civis.
Estudos apontam que a aproximação do Partido Democrata com essas mobilizações, voltadas em especial a garantias para a população negra e para as mulheres, levou a uma migração do eleitorado masculino para o Partido Republicano.
A tendência se manteve na eleição do republicano Donald Trump à presidência dos EUA, no início deste mês, com 55% dos votos dos homens e 45% das mulheres, segundo pesquisa de boca de urna do Edison Research.
A predominância de Trump foi ainda maior entre homens brancos, que representam um terço do eleitorado, grupo em que ele teve 60%.
Rechaço a propostas
No caso brasileiro, segundo Marques, apesar de circunstâncias sociais e históricas distintas às dos EUA, há “questões programáticas” que podem explicar os comportamentos eleitorais de homens e de mulheres nos dois países.
— As soluções que os candidatos dessa ultradireita oferecem para temas como segurança pública, saúde e educação parecem não ganhar a confiança das mulheres, que se mostram mais favoráveis à proibição da venda de armas de fogo e mais contrárias à prisão de quem aborta, por exemplo. Por outro lado, isso dialoga com um determinado perfil masculino, mais branco e mais velho, que historicamente ocupa posições de privilégio na sociedade — aponta a cientista política.
Nas capitais brasileiras, pesquisas de intenções de votos da Quaest na véspera do segundo turno apontaram que candidatos mais identificados com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou com pautas conservadoras tiveram maior preferência entre homens.
Já entre as mulheres, suas vantagens ou encolheram ou se dissiparam.
A inclinação do voto dos homens ocorreu mesmo quando as candidaturas eram representadas por uma mulher, caso de Aracaju, onde Emilia Corrêa (PL) se elegeu com maior apoio masculino.
Na avaliação de Marques, é possível que o caso brasileiro não seja de migração de homens para um voto mais à direita, e sim de afastamento das mulheres.
Nas capitais com segundo turno, a maior distância nas intenções de votos entre homens e mulheres apareceu em João Pessoa, onde o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, disputou o segundo turno contra o atual prefeito Cícero Lucena (PP). Na véspera da votação, Lucena tinha o dobro das intenções de voto de Queiroga entre as mulheres, mas apenas nove pontos os separavam entre os homens.
Para o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, diferentes capitais sugerem um descolamento entre voto feminino e a performance política da “direita radical”, que se sobrepõe ao bolsonarismo.
— O que me parece principal é a alta rejeição das mulheres a comportamentos que são interpretados por elas como agressivos, violentos ou autoritários, e que são associados à direita radical — avalia Nunes.
Eleitor do PL em Cuiabá, o motorista de aplicativo Thiago Nogueira diz que sua mulher não acompanhou seu voto na eleição municipal deste ano por acreditar que os candidatos da sigla bolsonarista “são malucos, querem bater de frente com tudo”.
A capital matogrossense elegeu Abilio Brunini (PL) à prefeitura, em um segundo turno contra Lúdio Cabral (PT).
Thiago, porém, não enxerga a questão de gênero como determinante para o voto. Ele observa que seu pai usou um raciocínio similar ao de sua mulher para não votar em Bolsonaro, candidato apoiado por sua mãe em 2022.
— Me considero um eleitor inconformado. Votei no PT por muitos anos. Mas nesta eleição e na última votei no Abilio, por acreditar que possa ser uma gestão com menos corrupção — afirma Thiago.
Em São Paulo, a Quaest identificou uma das maiores distâncias entre voto feminino e masculino. Apoiado por Bolsonaro no segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tinha 51% de intenções de voto entre os homens, ante 40% entre as mulheres.
A diferença entre os gêneros era similar à observada em Fortaleza na candidatura de André Fernandes (PL), derrotado por margem estreia no segundo turno contra o petista Evandro Leitão.
Eleitor de Marina Helena (Novo) no primeiro turno na capital paulista, o economista Raphael Penteado votou em Nunes no segundo turno. Para ele, a eleição levou menos em conta questões identitárias, e mais a rejeição a um projeto econômico com maior protagonismo do Estado, no caso do psolista.
Ele enxerga uma fadiga do eleitorado com “pautas ideológicas” que associa à esquerda, mas também reconhece que a direita tem “alguma dificuldade em falar com o eleitorado feminino”.
— Há uma falha da direita ao adotar um tom briguento, e há outros temas polêmicos, como o aborto, que deveriam ter menos impacto numa eleição municipal, mas que acabam sendo mobilizados pela esquerda para mexer com a paixão das pessoas — avalia.
Exemplo vizinho
Cerca de um ano antes das eleições municipais no Brasil, a disputa presidencial na vizinha Argentina, entre o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei, já havia sido marcada por uma polarização de gêneros.
Milei, que mostrou afinidade política com Bolsonaro e com Trump, se elegeu com 57% dos votos dos homens, de acordo com pesquisa do instituto Zuban Córdoba após o segundo turno. Massa, por sua vez, teve 52% dos votos entre as mulheres.
O instituto também detectou que a imagem de Milei era ligeiramente mais positiva do que negativa entre eleitores do sexo masculino: 50% a 49%. Já entre o eleitorado feminino, 51% tinham percepção negativa sobre o candidato mais à direita, contra 45% com imagem positiva.
A distância aumentou nos dois blocos pouco após a eleição de Milei, que chegou a ter imagem negativa para 61% das mulheres. Após eleito, o presidente argentino extinguiu o Ministério das Mulheres, e correligionários apresentaram um projeto para revogar a lei do aborto legal no país.