Brasil patina na recuperação de mangues, vitais para absorver dióxido de carbono
Estudo global mostra potencial de ecossistema costeiro reter CO2 e ajudar a combater mudança climática
Segundo país com maior extensão de manguezais no planeta (atrás da Indonésia), o Brasil ainda não possui muitas áreas de restauração ativa desse ecossistema, que tem um papel importante na absorção do dióxido de carbono, o vilão do aquecimento global, segundo uma pesquisa recente coordenada pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos. Mas algumas iniciativas e um programa do governo federal podem mudar esse quadro.
O novo estudo mostra que mesmo após serem degradados, os mangues são capazes de reabsorver até três quartos do carbono que é lançado ao ar quando eles são destruídos. A pesquisa avaliou mais de 600 iniciativas de restauração desses ecossistemas em todo o mundo e reforçou o potencial que essas áreas costeiras alagáveis (cobertas de árvores com raízes expostas que sobrevivem na lama entre o vai-e-vem da maré) têm para contrabalançar as emissões de CO2.
Na letra da lei, os manguezais brasileiros contam com proteção. Mais de 80% estão em unidades de conservação como parques e reservas, e aqueles em terras privadas são considerados área de preservação permanente, com desmate proibido pelo Código Florestal. Além disso, manguezais costumam estar nos terrenos de marinha, uma faixa recuada de território costeiro que pertence à União.
Esse status, porém, não protege mangues de agressões como poluição, urbanização, expansão portuária e empreendimentos que alteram o fluxo de marés. A depender do fator histórico que degradou o ecossistema em questão, como o crescimento de cidades, o replantio não é viável.
Segundo o oceanógrafo Mario Luiz Soares, chefe do Núcleo de Estudos em Manguezais da Uerj, um problema no estabelecimento de projetos de restauração no Brasil é que muitas áreas candidatas ao plantio de mangues estão em zonas de interesse comercial.
— No Nordeste, nós temos tentado argumentar, junto de gestores do Ministério Público, que entre as áreas passíveis de serem restauradas estão aquelas transformadas em tanques para criação de camarão e, anteriormente a essas, tanques para produção de sal em salinas — diz o pesquisador. Ele lembra que a proposta de emenda constitucional que abre uma brecha para a privatização de terras de marinha, apelidada de PEC das Praias, pode dificultar iniciativas para desocupar áreas originais de manguezais.
Diante desse quadro, um projeto de restauração no estuário do rio Cocó, em Fortaleza, idealizado pela ONG Ecomuseu Natural do Mangue, interessou a gestora ambiental Laís Jimenez, que pesquisou a região num projeto da USP.
— Seria um lugar teoricamente desfavorável ao restabelecimento de sequestro de carbono. Mas a área foi replantada ativamente, se recuperou. Em menos de uma década, o estoque de carbono já era estatisticamente comparável com o de um manguezal prístino e bem conservado próximo ao local — diz a pesquisadora.
Hoje coordenadora do Programa de Gestão Integrada de Manguezais da Fundação Florestal de São Paulo, Jimenez alerta que as oportunidades de restauração de mangues são subaproveitadas no país. Ela conduz na trabalhos que vão inventariar o carbono de manguezais no litoral paulista e diagnosticar fragilidades para melhorar seu estado de conservação.
O Brasil possui agora uma iniciativa de governo para racionalizar a gestão desses ecossistemas. Lançado em junho por decreto, o Programa Nacional para a Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (ProManguezal) promete promover "a conservação, a recuperação e o uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos associados aos manguezais do país, considerando-se as diversas pressões sobre o ecossistema, incluindo a mudança do clima".
O BNDES já começou a aportar, desde o ano passado, verba para restauração de mangues. Oito projetos de recuperação que cobrem 1.750 hectares de mangues e restingas em vários pontos da costa foram selecionados numa rodada inicial para dividir R$ 47 milhões de verbas.
Segundo Soares, da UERJ, o ProManguezal precisa enfocar também a preservação, além da restauração.
— O grande foco nosso tem que ser no fortalecimento do processo de conservação e aí o carbono dos manguezais entra sob a perspectiva das emissões que podem ser evitadas — diz o cientista.
Apesar de o Brasil ter historicamente visto a urbanização e atividades costeiras acabarem com muitos mangues, nas últimas décadas o ritmo de degradação freou. A Baía de Guanabara perdeu mais da metade dos manguezais que tinha, mas após a criação de zonas de proteção na década de 1980 o processo se estancou e houve até um pequeno ganho de área.
A pesquisa coordenada pelo Serviço Florestal dos EUA mostrou que essa recuperação é relativamente rápida. Na comparação com manguezais naturais, os replantados adquiriam, em média, 25% do carbono em cinco anos e até 75% em 20 anos.
O número varia conforme a espécies de árvore de mangue que eram replantadas e com a extensão e tipo de degradação que havia comprometido o ecossistema. De modo geral, porém, os projetos foram bem sucedidos, e os cientistas defendem que eles podem ajudar as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), as promessas de redução de emissões de gases de efeito-estufa que países devem apresentar à Convenção do Clima da ONU.
A maior parte dos projetos de restauração avaliados estão no Sudeste Asiático e no Pacífico, mas os programas de recuperação em manguezais na América Latina tiveram desempenho semelhante.
Segundo Richard Mackenzie, cientista do Serviço Florestal que liderou a pesquisa, os resultados mostram a grandeza do poder de ação que possui o "carbono azul", aquele que circula por ecossistemas marinhos e costeiros, no sistema climático.
Para Mackenzie, a preservação de manguezais ganha força tanto na agenda de mitigação da mudança climática, por eles reterem muito carbono, quanto na de adaptação, porque esses ecossistemas funcionam como barreira contra ondas e ressacas que causam erosão e ameaçam comunidades litorâneas.
"Nossas descobertas podem ser úteis para nações que buscam na economia azul maneiras de aumentar sua capacidade de adaptação à mudança climática, cumprir os objetivos de suas NDCs e aproveitar os diversos benefícios mútuos inerentes à restauração de ecossistemas naturais", escreveu Mackenzie no estudo, publicado pela revista Science Advances.
O trabalho também apresentou uma medida da quantidade de carbono que pode ser capturada se o potencial global for plenamente aproveitado.
"O replantio de 6.665 km² de manguezais altamente recuperáveis tem o potencial de armazenar cerca de 46 milhões de toneladas de carbono sozinho em 20 anos", diz Mackenzie. "Isso equivale às emissões anuais de combustíveis fósseis de quase todos os veículos motorizados do Reino Unido durante um ano, ou 0,025% das emissões globais anuais de CO2".
O percentual pode parecer pequeno, mas com as NDCs sendo construídas quilo por quilo de carbono, a relativa facilidade de capturar CO2 restaurando manguezais se torna mais interessante. Nos últimos dez anos, o setor de gestão ambienta testemunha uma onda de interesse em manguezais empresas que buscam negociar créditos de carbono, títulos que permitem quem investe e projetos de mitigação negociarem limites de emissão de CO2.
Com uma densidade de carbono até cinco vezes maior do que a das florestas, os mangues só não ganham importância maior do que esses ecossistemas porque as matas existem em áreas muito maiores, adentrando os continentes.
Soares, porém, se diz cético com relação à corrida de empresas por projetos de restauração de mangues para gerar créditos de carbono. Esse "frenesi" global que afeta também o Brasil, diz, está incentivando o plantio de mangues em áreas sem perfil adequado.
Um exemplo emblemático disso foi um grande projeto de restauração de manguezais nas Filipinas, que falhou em mais de 70% das áreas escolhidas na década de 1990, porque elas não tinham ciclo de alagamento e composição de solo adequados para as árvores semeadas.