Reorganização do currículo escolar com Novo Ensino Médio impacta Enem em sete estados
Currículos foram organizados de maneira que a formação geral básica acabasse ficando sem pelo menos uma disciplina essencial para o exame no 3º ano
Tainara Rodrigues, de 18 anos, sentiu dificuldades no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Formanda da rede estadual do Rio de Janeiro, ela não teve neste ano aulas de Química, Física, Biologia, Geografia e História, o que dificultou sua preparação para competir por uma vaga na universidade.
O problema, no entanto, não foi só na escola dela. Além do Rio, outros seis estados organizaram seus currículos depois da implementação do Novo Ensino Médio de maneira que a formação geral básica — parte do currículo que todos os alunos estudam o mesmo conteúdo — acabasse ficando sem pelo menos uma dessas disciplinas no 3º ano, o momento mais indicado para fazer a prova do Enem.
— É muito decepcionante ver como isso continua assim. Fui péssima em Química, principalmente. Tudo que caiu, eu nunca tinha visto na vida — conta a jovem.
Alunos do 3º ano do Acre também ficaram sem as cinco disciplinas. No Rio Grande do Sul, três delas não foram ministradas. Duas não estiveram no currículo de Amapá, Espírito Santo e São Paulo. E Sergipe deixou de dar uma delas. Isso se dá por conta da reorganização curricular aprovada em 2018, mas colocada em prática em 2021, com exceção de São Paulo, que a adotou em 2020.
No Novo Ensino Médio, o currículo foi dividido em dois: um que todos fariam as mesmas disciplinas (a formação geral básica, que inclui as cinco matérias citadas acima mais Matemática, Português, Inglês, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia); e outro que os alunos poderiam escolher as matéria (os itinerários formativos que visam ao desenvolvimento de competências e habilidades).
Os estados mencionados decidiram concentrar as matérias obrigatórias a todos nos dois primeiros anos do Ensino Médio para o aluno ter mais maturidade no momento de escolher as disciplinas do itinerário formativo. No entanto, isso acabou fazendo com que os estudantes passassem pelo 3º ano sem a oportunidade de reforçar todas as disciplinas cobradas no Enem.
— Não tem como competir com alunos da rede particular. Eu busquei alternativas para me preparar e consegui uma bolsa em curso pré-vestibular, onde tenho aulas com alunos da rede privada, então vejo a diferença — conta Tainara.
Transição
O problema também se dá nas disciplinas de Sociologia e Filosofia. Levantamento do GLOBO mostra que, neste ano, 12 estados não têm ministrado essas aulas no 3º ano. No entanto, elas vêm ganhando cada vez mais protagonismo na prova e tiveram um aumento no número de questões nesta última edição do teste, realizada neste mês. Escolas privadas já estão discutindo aumentar suas cargas horárias para o próximo Enem.
Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma mudança aprovada pelo Congresso do Novo Ensino Médio. Entre outras alterações, ela aumentou a carga horária das disciplinas tradicionais de até 1,8 mil horas para pelo menos 2,4 mil.
No entanto, a demora para aprovação do texto, que passou por problemas de articulação do governo no Congresso, fará com que sua implementação só seja possível para novos alunos a partir de 2026. O prazo foi estabelecido por uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), que ainda precisa ser sancionada pelo Ministério da Educação (MEC). No entanto, é improvável que ele seja reduzido já que as redes vão precisar reformular seus currículos para se adequarem ao novo modelo.
De acordo com as diretrizes do CNE, as redes poderão criar currículos de transição para os alunos que entrarem no Ensino Médio no ano quem vem.
As diretrizes do CNE estipularam ainda regras para solucionar problemas causados pela reforma do Ensino Médio de 2018. Um dos mais graves foi a falta de parâmetros para a definição das aulas que os alunos escolheriam cursar (os itinerários formativos). Com isso, em vez de disciplinas que caem no Enem, alguns estados adotaram aulas de “RPG”, “Bolo de pote” e “Manicure”. A partir de agora, os itinerários formativos serão criados a partir de parâmetros estabelecidos pelo MEC e pelo CNE. Já as disciplinas eletivas terão que ser construídas “a partir de critérios pedagógicos”.
— Anteriormente, esses itinerários estavam desorientados. Essa diretriz amarra isso — explica Israel Batista, relator das diretrizes aprovadas no CNE e homologada pelo MEC na última quarta-feira.
Ajustes de rota
Por meio de nota, o governo do Estado do Rio argumentou que o cenário é resultado “do cumprimento do Novo Ensino Médio” e que dá acesso a materiais para estudo e que os alunos podem tirar dúvidas “com professores especializados e suporte de inteligência artificial”.
Já o estado de São Paulo disse que Biologia e Química estão no Itinerário Formativo de Matemática e Ciências da Natureza nas aulas de biotecnologia e química aplicada, que é cursado apenas por parte dos alunos.
O Acre afirmou que prepara seus alunos para o Enem através de um programa específico. O estado de Sergipe garantiu que vai mudar a grade curricular para 2025; esse também é o plano do Espírito Santo. O Rio Grande do Sul não respondeu à reportagem.