MUNDO

Cúpula do G20 foi "vitória da diplomacia brasileira" em contexto global desafiador, dizem analistas

Presidência brasileira conseguiu negociar declarações ministeriais e presidenciais, adesão de 82 países à Aliança Global contra a Fome e até mesmo uma foto grupal em meio a duas guerras

Líderes posam para nova foto oficial do G20 no Rio com o presidente dos EUA, Joe Biden - Ludovic MARIN / AFP

Com o mundo em estado de alerta por duas guerras que escalam diariamente — com potências nucleares envolvidas — e a recente eleição do republicano Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, a realização da Cúpula de Líderes do G20 no Rio representava um enorme desafio para o governo Lula e, mais especificamente, para a diplomacia brasileira. O teste, na avaliação de analistas ouvidos pelo GLOBO, foi não apenas superado, mas se transformou numa vitória diplomática para o Brasil.

Após um ano de negociações, a presidência brasileira do G20 entregou aos chefes de Estado e de governo do grupo 16 declarações ministeriais, base sólida para chegar a uma declaração presidencial de consenso. Paralelamente, o Brasil conseguiu a adesão de 82 países à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, carro-chefe da presidência brasileira do G20, incluindo até mesmo a Argentina de Javier Milei — que apresentou dissidências, mas aceitou participar.

 

Finalmente, tendo a paisagem carioca como pano de fundo, o Brasil conseguiu a proeza de reunir quase todos os presidentes e chefes de governo que participaram da cúpula em uma foto oficial.

Nas reuniões presidenciais de 2022 e 2023, na Indonésia e na Índia respectivamente, a maioria dos governos do G20 se recusou a participar da chamada “foto de família”, em repúdio à invasão da Ucrânia por parte da Rússia. No Rio, com a desculpa de que a foto era uma maneira de celebrar o lançamento da aliança, o governo brasileiro conseguiu fazer dois retratos coletivos, nos quais aparecem quase todos os líderes presentes no evento. Na primeira foto, tirada na segunda-feira, não aparecem o americano Joe Biden, o canadense Justin Trudeau e a italiana Giorgia Meloni. Na segunda, feita na terça-feira, estão ausentes o chanceler russo, Serguei Lavrov, e Milei, que já tinha partido de volta para a Argentina.

Clima em segundo plano
Para Marianna Albuquerque, professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ, talvez a única lacuna do evento seja a questão climática.

— Muitos esperávamos que o Brasil conseguisse avançar nesse tema em relação à declaração presidencial da Índia, mas não foi possível — diz a especialista. — A pressão dos países produtores de combustíveis fósseis foi muito forte.

De fato, fontes do governo brasileiro confirmaram que o parágrafo sobre clima da declaração presidencial foi um dos que mais demandaram tempo de negociação. O tema gerou mais debate do que a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito em Gaza. Os últimos retoques ao texto foram feitos na madrugada de domingo, após os sherpas (representantes de seus países) virarem a madrugada para encontrarem “fórmulas de consenso” sobre temas sensíveis a membros do G20.

A delegação brasileira foi chefiada pelo embaixador Mauricio Lyrio, que comandou uma negociação complexa que demandou elevadas doses de criatividade. Na reta final, duas palavras, “infraestrutura” e “especificamente”, conseguiram superar debates em parágrafos sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. Ao longo de todo o fim de semana, seguindo expressas orientações do presidente Lula, o sherpa brasileiro resistiu às pressões de países do G7, entre outros, para reabrir os debates sobre as guerras e clima. Isso, admitiu uma fonte oficial, “poderia ter levado ao desastre” (leia-se: a cúpula terminar sem declaração presidencial).

— Além da aliança contra a fome, outra grande vitória do Brasil foram os trechos da declaração sobre bioeconomia. Ficou definido que os países que têm recursos naturais são os que devem controlar a gestão desse patrimônio genético. Estamos falando, por exemplo, da proteção de florestas — aponta a professora Marianna Albuquerque, que também considera importante o trecho da declaração sobre a necessidade de reformar a governança global, demanda que o Brasil tem feito em vários foros internacionais.

No texto aprovado pelos líderes, os governos do G20 admitem que existe uma “subrepresentação” da América Latina no Conselho de Segurança das Nações Unidas, algo inédito. Vale lembrar que vários integrantes do grupo são membros permanentes do conselho, entre eles Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.

'Consensos possíveis'
Na visão de Guilherme Casarões, cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, “Lula investiu em consensos possíveis”.

— Em temas como combate às mudanças climáticas e governança global, mesmo que seja pouco, foram alcançados compromissos importantes. O Brasil saiu maior do que entrou na cúpula — aponta Casarões.

O analista lembrou que o G20 sempre tentou levar sua agenda para a dimensão econômica, e que o Brasil, “com sua diplomacia, conseguiu incluir na declaração parágrafos contundentes sobre temas políticos”.

— Na política externa existem os rule makers [os que fazem as regras, em tradução livre] e os rule takers[os que cumprem as regras]. Em pautas que interessam ao Brasil, passamos a ser rule makers, aprovando princípios que poderão ajudar a criar marcos normativos no futuro — conclui Casarões, para quem a Argentina “poderia ter causado maior embaraço, mas Milei, depois de muito ruído, foi embora derrotado”.

Agora, resta saber o que a África do Sul, que assume em dezembro a presidência do G20, fará em 2025 com o republicano Donald Trump novamente no comando dos Estados Unidos. A única esperança dos analistas é de que os EUA, que presidirão o G20 em 2026, não promovam um boicote a tudo o que foi feito pelo Brasil e o que será proposto pelos sul-africanos, em nome de sua futura presidência do grupo.