Polícia Civil indicia por racismo professor e argentina que imitaram macaco em roda de samba no Rio
Caso aconteceu em julho deste ano; investigação foi realizada pela Decradi, unidade especializada. No Dia da Consciência Negra, Governo do Estado divulga painel de monitoramento de crimes de preconceito
A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) indiciou por racismo dois professores gravados imitando macacos durante uma roda de samba, em julho deste ano, no Centro do Rio. Nas imagens, o brasileiro Thiago Martins Maranhão, de 41 anos, e a argentina Carolina de Palma, de 28 anos, aparecem fazendo os gestos em meio ao público que acompanhava o evento. O vídeo do flagrante foi levado à especializada por uma jornalista que estava no local.
O indiciamento é feito no Dia da Consciência Negra, nesta quarta-feira. Nesta data, o Governo do Estado, por meio do Instituto de Segurança Pública (ISP), divulga o painel de monitoramento de crimes de preconceito registrados no estado. De acordo com o levantamento feito referente ao primeiro semestre deste ano, 1.719 pessoas denunciaram à polícia algum tipo de crime relacionado à intolerância — uma média de nove vítimas por dia. Nestes seis meses foram registrados 46 cometidos no ambiente virtual.
Segundo a polícia, no curso das investigações as imagens foram analisadas, testemunhas e autores ouvidos. O relatório a ser enviado para o Ministério Público "aponta que os atos são graves", destaca a Polícia Civil.
"O ato praticado associou negativamente indivíduos ou grupos, especialmente em relação à população negra, uma vez que esse comportamento é carregado de uma história de racismo, já que a comparação entre pessoas negras e macacos foi amplamente usada para desumanizá-los e discriminá-los ao longo da história", diz trecho do inquérito.
Segundo a polícia, o Centro de cooperação Policial Internacional do RJ ajudou na identificação da argentina, que estava no Brasil para participar de um seminário organizado pelo Fórum Latino-Americano de Educação Musical (Fladem). Carolina deixou o país dois dias depois do caso. Thiago não chegou a participar do Fledem e voltou para São Paulo pouco depois da repercussão.
A dupla foi filmada pela jornalista Jackeline Oliveira, que divulgou as imagens nas redes sociais, onde ganharam repercussão. O caso aconteceu em 19 de julho, uma sexta-feira, e, na segunda, a testemunha apresentou a gravação na Decradi para registrar o crime. A jornalista estava acompanhada da vereadora Mônica Cunha, presidente da Comissão de Combate ao Racismo da Câmara Municipal, e do organizador da roda Wanderso Luna e de uma advogada da comissão.
No vídeo divulgado por Jackeline é possível ver o homem e a mulher, ambos brancos, imitando macacos em gestos e sons, enquanto a roda de samba acontecia. A mulher chega a fingir tirar algo da cabeça do companheiro e colocar na boca.
O relatório da polícia destaca que tais comportamentos, horas tidos como "brincadeiras", podem "perpetuar traumas e desigualdades sociais, ferindo a dignidade de pessoas, o que torna imprescindível a necessidade de conscientizar e educar a sociedade sobre os impactos históricos e emocionais de tais ações". O crime, de acordo com a legislação, é inafiançável e imprescritível, com pena prevista de 3 a 5 anos de prisão.
Desde sua criação, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância já investigou mais de 500 casos de crimes raciais. A unidade também apura denúncias de intolerância religiosa, LGBTfobia e xenofobia.
As vítimas de preconceito que desejarem realizar o registro de ocorrência podem procurar a sede da Decradi, na Rua do Lavradio, 155, no Centro do Rio. Há a possibilidade também de comunicar os crimes em qualquer delegacia distrital do estado ou por meio da Delegacia On-line.
Painel interativo no combate à discriminação
De acordo com os dados do painel interativo Discriminação, no primeiro semestre deste ano, das 1.719 denúncias de algum tipo de crime relacionado à intolerância. Os principais deles são: vítimas sofreu injúria por preconceito, num total de 1.106 casos; seguido por preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, com 436; intolerância e/ou injúria racial, de cor e/ou etnia, com 60; praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão da sua deficiência, que somam 41; e intolerância por orientação sexual e intolerância religiosa, cada um com 18 vítimas.
Já o perfil das vítimas é, em sua maioria, de mulheres negras, entre 30 e 59 anos. A via pública é o local mais comum de ocorrência nos registros de injúria por preconceito. Nos casos de preconceito por raça e cor, estudantes negros também estão entre os mais afetados, com maior concentração de casos em ambientes residenciais.
"O painel Discriminação, agora integrado ao ISPConecta, amplia ainda mais esse compromisso ao detalhar informações por raça, etnia, orientação sexual, deficiência e religião. É uma contribuição relevante para o diálogo e a conscientização social", destacou Leonardo Vale, vice-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Além da Decradi, o Disque Denúncia recebe e monitora as denúncias cadastradas e atua em parceria com órgãos especializados no combate à violação de Direitos Humanos.