Samba

Relembre desfiles em que Neguinho da Beija-Flor celebrou a ancestralidade africana na Sapucaí

Interprete anunciou que em 2025 fará seu último desfile cantando no Sambódromo

Neguinho da Beija-Flor - Reprodução/ Tv Globo

Dono de uma voz inconfundível, um grito de guerra icônico e de uma história que se entrelaça com a do carnaval carioca, o intérprete Neguinho da Beija-Flor anunciou que o desfile de 2025 será o último de sua carreira na Marquês de Sapucaí.

Desde 1975 comandando o carro de som da escola de Nilópolis, ele coleciona momentos históricos na Sapucaí, entre eles o desfile que, para muitos, é considerado o maior de todos os tempos, Ratos e Urubus Larguem Minha Fantasia, de 1989, e seu próprio casamento na Passarela do Samba em 2009 enquanto o Brasil torcia por sua recuperação de um câncer.

Sua voz também ecoou diversos gritos de resistência ao longo das últimas cinco décadas.

Em entrevista ao EXTRA em 2019, na véspera de completar 70 anos, ele revelou que até no mundo da música precisava lutar diariamente contra o racismo: "O cachê do branco é R$ 350 mil, e me oferecem R$ 25 mil'. Relembre alguns momentos marcantes em que Neguinho celebrou a ancestralidade africana na Sapucaí:

A criação do mundo na tradição Nagô

A Beija-Flor nunca foi campeã sem Neguinho no carro de som. O primeiro tricampeonato da escola foi ainda quando o Sambódromo nem existia: de 1976 a 1978, logo nos primeiros anos do intérprete na agremiação, que tinha os enredos assinados por Joãozinho Trinta.

Aquele tri foi fechado com o histórico enredo "A criação do mundo na tradição Nagô", que contava a formação do planeta na visão Iorubá. O refrão daquele samba foi criado por Neguinho e anos mais tarde adaptado pelas arquibancadas vascaínas com o grito "Time da Virada".

A grande constelação das estrelas negras

Em 1983 a Beija-Flor foi campeã com outra composição de Neguinho: A constelação das Estrelas Negras — último título da escola antes da "era de ouro" no final da década de 1990 e início dos anos 2000.

Enquanto Neguinho embalava a Marquês de Sapucaí com sua voz, os foliões assistiam Pinah, a eterna Cinderela negra da Sapucaí desfilar em um enredo que recontava o encontro, cinco anos antes, do então príncipe Charles (hoje rei da Inglaterra) com personalidades negras no Palácio da Cidade.

Agotime

Já era mais vitoriosa da escola de Nilópolis, em 2001 a Beija-Flor marcou o carnaval ao contar a história de Agotime, uma sacerdotisa africana que cruzou o Atlântico em um navio negreiro rumo ao Brasil.

Naquele ano, a agremiação levou uma ala de mulheres pretas-velhas, que desfilaram à frente do carro abre-alas. De bengala, cachimbo e guia no pescoço, elas estavam curvadas e abriram caminho para um desfile mágico.

Áfricas

O desfile de 2001 marcou, mas não deu o título à Beija-Flor. No entanto, seis anos depois, Neguinho e a agremiação de Nilópolis foram campeões levar ao Sambódromo os reinos da África espalhados pelo mundo, como os do Brasil.

O desfile foi assinado por Alexandre Louzada e impactou a todos pelo luxo das alegorias e fantasias.

Empretecer o pensamento

O primeiro desfile das escolas de samba após a pandemia da Covid-19 foi fora de época. A cidade não vivia o mesmo clima de carnaval de outros anos, mas a Beija-Flor se impôs na Sapucaí e fez um desfile que gritava contra o racismo.

Nas alegorias, a escola derrubou estátuas de racistas (tema que inflamava as redes sociais à época) e a comissão de frente arrancou aplausos de protestos ao lembrar os nomes de negros assassinados, como do americano George Floyd.