Surto de câncer de pâncreas pode ser menos preocupante do que parecia
Um surto da doença no público jovem não foi seguido por um aumento de mortes
Um dos primeiros avisos veio em um artigo publicado em 2021. Houve um aumento inesperado no câncer de pâncreas entre os jovens nos Estados Unidos de 2000 a 2018. A doença pode ser intratável no momento em que é descoberta, uma sentença de morte.
Com a publicação desse relatório, pelo gastroenterologista do Cedars-Sinai Medical Center, Srinivas Gaddam, os pesquisadores começaram a procurar razões. O aumento pode ser causado pela obesidade? Alimentos ultraprocessados? Foram toxinas no meio ambiente?
Por outro lado, um novo estudo publicado na segunda-feira no The Annals of Internal Medicine sugere que todo o alarme pode estar equivocado.
Os autores do artigo, liderados pelo residente em cirurgia, Vishal R. Patel, do Brigham and Women's Hospital, em Boston, não contestaram os dados que mostram o aumento na incidência. Eles relatam que, de 2001 a 2019, o número de jovens — de 15 a 39 anos — diagnosticados com câncer de pâncreas disparou. A taxa de cirurgias pancreáticas mais que dobrou entre mulheres e homens.
O problema é que a consequência esperada de tal aumento nos casos de câncer não ocorreu. Com mais casos de câncer de pâncreas em jovens, deveria haver mais mortes por essa patologia. Mas isso não aconteceu. Tampouco houve mais jovens diagnosticados com cânceres em estágios avançados. Em vez disso, o aumento foi restrito a cânceres em estágios muito iniciais.
Os pesquisadores examinaram mais de perto a natureza desses cânceres de pâncreas. Descobriu-se que as estatísticas sobre câncer de pâncreas agrupam tipos muito diferentes de tumores que surgem no órgão.
Muitos cânceres nunca causarão danos se deixados sozinhos, mas com ferramentas cada vez mais sensíveis, os médicos estão encontrando cada vez mais deles. Como geralmente não há como saber se eles são perigosos, os médicos tendem a tratá-los agressivamente. Mas eles nunca teriam aparecido nas estatísticas de óbitos se não tivessem sido encontrados.
É a marca registrada do que os pesquisadores chamam de sobrediagnóstico: um aumento na incidência sem um aumento relacionado às mortes.
Os pesquisadores resolveram o quebra-cabeça examinando de perto a natureza desses cânceres de pâncreas. Acontece que as estatísticas sobre o câncer de pâncreas agrupam tipos muito diferentes de tumores que surgem no mesmo órgão, o pâncreas, uma grande glândula plana enterrada no fundo do abdômen, atrás do estômago.
O adenocarcinoma é um tipo de tumor que pode se formar no pâncreas e geralmente não apresenta sintomas até atingir um estágio tardio. Os pacientes percebem que algo está errado quando de repente perdem peso e ficam com icterícia. A essa altura, geralmente é tarde demais.
Os adenocarcinomas às vezes são encontrados mais cedo porque podem aparecer em exames abdominais feitos por outros motivos. Mas sua incidência em todas as fases permaneceu estável em jovens. Não há epidemia de adenocarcinomas.
Em vez disso, o aumento repentino na incidência de câncer de pâncreas está sendo impulsionado em grande parte por outro tipo de tumor — câncer endócrino. Eles tendem a ser indolentes, levando anos ou até décadas para crescer e se espalhar, mas ocasionalmente podem se tornar malignos.
Os investigadores do estudo suspeitam que os tumores endócrinos estão sendo detectados por tomografia computadorizada ou ressonância magnética, que se tornaram cada vez mais sensíveis e são usados com cada vez mais frequência. Mesmo que não sejam direcionados ao pâncreas, podem encontrar lesões nesse órgão.
— Quanto mais você for fotografado, mais essas coisas aparecerão — diz o autor do estudo, H. Gilbert Welch, pesquisador sênior do Centro de Cirurgia e Saúde Pública do Brigham and Women's Hospital.
— Às vezes vemos coisas na imagem e temos que ir atrás disso — revela o gastroenterologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Folasade May, que não esteve envolvido no estudo. E prossegue: — As pessoas podem acabar com uma grande cirurgia. Mas é difícil dizer quem precisa da cirurgia e quem não precisa.
Embora as diretrizes digam que pacientes com pequenos tumores endócrinos devem ser monitorados com exames, alguns médicos dizem que é melhor remover esses cânceres em pacientes jovens. O argumento é que, com o passar dos anos, os cânceres terão tempo para crescer e se tornar mortais.
A duplicação das intervenções cirúrgicas em jovens com câncer de pâncreas indica que muitos estão fazendo essa operação.
— Muitos pacientes dizem: "Tire isso" — diz o autor do novo artigo, Adewole S. Adamson, especialista em sobrediagnóstico da Universidade do Texas em Austin. — Quando alguém lhe diz que você tem câncer, você sente que precisa fazer alguma coisa.
Mas, ressalta o especialista em câncer de pâncreas do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, William Jarnagin, a remoção de tumores endócrinos em estágio inicial "nunca provou ser uma boa estratégia".
Pode ajudar se os tumores endócrinos não forem rotulados como câncer de pâncreas, argumenta o especialista em câncer de pâncreas da Universidade de Minnesota, Arjun Gupta, que não esteve envolvido no estudo.
Gaddam, que alertou sobre a incidência de câncer de pâncreas há alguns anos, elogiou o novo artigo e disse que era "muito necessário". Como gastroenterologista, disse ele, tenta explicar a situação aos pacientes com câncer endócrino.
— Eu digo: "Eu sei que você vai odiar essa palavra - câncer de pâncreas - mas existem dois tipos muito diferentes"— revela o gastroenterologista. E prossegue: — "Esta é realmente uma ótima notícia para o que poderia ter sido".
Então, ele acrescenta: — Eu os encaminho a um oncologista.