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Ganhar o mundo sozinho, um presente de fim de ano

Agências e redes de hotéis identificam aumento no volume de turistas solitários nesta época; em alta, estão destinos como Tóquio, Londres, Nova York e Las Vegas

Viagens - Marcelo Camargo / Agência Brasil

Em 2023, o tecnólogo Dennis Friedrichsen, de 43 anos, desfrutou o jantar de Ação de Graças às margens do Rio Nilo, saboreando iguarias na companhia de 11 estranhos de três continentes.

O Natal foi na Tanzânia. Como um número cada vez maior de pessoas, ele viu o período de festas como a chance perfeita para uma aventura solo.

A decisão de passar o fim do ano longe da família e dos amigos sempre teve o estigma da solidão. Mas essa mentalidade está mudando, já que muita gente está substituindo a pressão da troca de presentes e das tradições pelo autocuidado, além de fazer novas amizades pelo caminho.

Segundo a agência Flash Pack, que reúne praticamente só viajantes solitários entre 30 e 40 anos de idade em grupos de aventura, o movimento dobrou nos últimos dois anos. Friedrichsen foi um dos clientes.

Outras agências também estão percebendo um aumento de interesse nesse estilo de passeio.

"O fluxo de viajantes solitários no fim de ano está bem forte há anos; as reservas para o Natal para uma única pessoa subiram 51% entre 2019 e 2023. Antes , os fins de semana de dezembro eram mortos, mas agora a ocupação é sempre alta" informa o CEO da cadeia de pousadas europeias a&o Hostels, Oliver Winter.

Marco de autonomia
Segundo ele, uma série de fatores contribui para o aumento da popularidade desse tipo de atividade:

"Viajar desacompanhado nunca foi tão seguro. Você tem todo tipo de informação sobre destinos e transportes on-line, a cobertura de celular é praticamente universal e há muitas ferramentas para compartilhar localização. Ficou mais fácil também encontrar atividades sociais, on-line e nos próprios hotéis"

Segundo a psicoterapeuta Stephanie Brownell, de Seattle, a pandemia levou muita gente a priorizar o autocuidado:

"Hoje muitos preferem abrir mão dos encontros familiares. De repente, as pessoas perceberam que têm opções. Muita gente está mais flexível, passou a rechaçar as ideias tradicionais sobre as festas natalinas e está prestando mais atenção às próprias emoções"

As redes sociais também contribuem para essa tendência, com influenciadores definindo as viagens solo como marco de independência.

Perfis no Instagram como o SarahWoodwardTravels e o SunnRayy, cada um com mais de cem mil seguidores, são fonte de inspiração e estímulo para quem pensa em se arriscar, com a postagem de fotos com legendas do tipo “Você nunca se casou, mas já perdeu a conta de quantas luas de mel já teve”.

"Hoje, viajar sozinho implica autonomia. É uma alternativa à tradição" afirma Brownell.

"Para alguns, a decisão acaba sendo benéfica também para a família. Um pai idoso, ao viajar sozinho, reduz a pressão sobre os filhos, que passam a planejar as próprias férias ou ter a oportunidade de ficar com os sogros. A pessoa dá o exemplo, mostrando que ninguém precisa se preocupar com ela"

As cidades grandes são populares entre esses viajantes independentes; segundo o Expedia, este ano as opções mais comuns são Tóquio, Londres, Nova York e Las Vegas. Mas é claro que os roteiros são tão variados como as preferências de cada um.

As agências com roteiros para África, ilhas do Oceano Índico e locais mais remotos da Ásia também já percebem um aumento significativo desse perfil.

Há quem encare o período de fim de ano como a chance de descansar e recomeçar.

Lenner Garrido, gerente-geral do Punta Islita, hotel da rede Marriott Autograph Collection situado na Costa Rica, atribui o aumento de 20% no número de solitários em relação ao ano passado à “busca pelo rejuvenescimento em um ambiente tranquilo, cercado pela natureza”.

Friedrichsen admite que vários motivos o levaram a viajar nas duas datas importantes do ano passado:

"Como minha irmã tinha acabado de dar à luz e nossos pais estavam doidos para ver o neto, eu quis dar espaço para eles. Sem contar que, saindo entre os feriados, posso ficar mais tempo fora e economizar meus dias de férias, o que para mim é mais importante do que ganhar presente. Agora, o fator decisivo mesmo é que faço aniversário perto do Natal, e queria festejar fazendo coisas incríveis do outro lado do mundo"

Amber Laree, nova-iorquina de 58 anos de Nova York e agente de viagem da Mountain Travel Sobek, especializada em roteiros naturais e culturais, se viu interessada na atividade depois que se divorciou e os filhos cresceram.

"Passei boa parte da minha vida adulta criando experiências mágicas durante as festas para os outros. Foram décadas de dedicação para surpreender e agradar a família. Agora, considero essas viagens um presente para mim mesma. Este ano, por exemplo, vou fazer Tailândia, Camboja, Laos e Vietnã entre novembro e dezembro. Nada de ceia, de pôr e tirar decoração, de comprar presente para todo mundo" comemora.

"Mas tem também um elemento escapista aí nesses planos, claro. A solidão e a perda pesam mais nessa época. Quase sempre é um alívio poder estar na companhia de estranhos, que não têm a mínima ideia de quem sou ou do que já vivi"