MEMÓRIA

Bolsonaro não seria o primeiro ex-presidente punido por tentativa de golpe; entenda

Em 1922, Hermes da Fonseca teve a prisão decretada sob a acusação de envolvimento em levantes militares

Jair Bolsonaro e marechal Hermes da Fonseca - Mauro Pimentel / AFP e Instagram

Jair Bolsonaro não seria o primeiro ex-presidente punido por uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, caso o indiciamento pela Polícia Federal (PF) ontem resulte em denúncia por parte do Ministério Público e condenação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 1922, o marechal Hermes da Fonseca teve a prisão decretada sob a acusação de envolvimento em levantes militares no Rio que tinham como objetivo destituir o presidente Epitácio Pessoa e evitar a posse de seu sucessor eleito, Artur Bernardes.

De acordo com o historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico, o elemento novo nos episódios recentes é a possibilidade de condenação de militares que conspiraram contra a democracia.

— Em nenhum caso de golpe, desde a Proclamação da República até os dias atuais, e foram vários, houve sequer indiciamento, que dirá condenação, de militares golpistas. Essa investigação da Polícia Federal indiciou oficiais-generais com evidências robustas e eles poderão, eventualmente, ser julgados e condenados — aponta Fico, acrescentando que o maior risco para a democracia brasileira ao longo da história passa justamente pelo intervencionismo das Forças Armadas no poder.

Outros militares
Além de Bolsonaro, acusado de ser um dos mentores do plano, a lista de indiciados pela PF envolve os ex-ministros e generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, e o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, que teria sido o único chefe das Forças Armadas a encampar o suposto plano golpista no Planalto, segundo o relatório, entre outros.

A Justiça concordou ainda, nesta semana, com a prisão preventiva de quatro “kids pretos”, como são conhecidos os militares de um grupo de elite do Exército. Eles são suspeitos de planejarem o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Como exemplo, os responsáveis pelo golpe militar de 1964 e pela perpetuação do regime autoritário nunca foram punidos. A Lei da Anistia, de 1979, concedeu perdão a militares e civis por crimes políticos cometidos em todo o período de exceção, medida que ajudou a consolidar o processo de redemocratização, em 1985.

O caso da prisão de Hermes da Fonseca, pondera Fico, ocorreu em um momento histórico distinto, a chamada República Velha (1889 -1930), quando as instituições brasileiras e o funcionamento da Justiça eram diferentes dos dias atuais. O ex-presidente do Brasil entre os anos de 1910 e 1914 foi acusado de conspirar contra o governo de Epitácio Pessoa em meio a um atribulado processo eleitoral, em 1922, no qual a oposição, da qual fazia parte, questionou a contagem de votos que deu a vitória a Artur Bernardes.

— Ele era suspeito de estar à frente dos levantes contra Epitácio para impedir a posse de Artur Bernardes. É o caso mais próximo de um ex-presidente que tenha sido preso sob a acusação de participar de uma tentativa de golpe de Estado no Brasil — afirma Fico.

Conclamação
De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, em meio às contestações, Fonseca decidiu apoiar protestos em Pernambuco. Em um telegrama, o então chefe do Clube Militar conclamou os soldados a não reprimir o povo nas ruas. O episódio levou à prisão do marechal, a mando do presidente, por um único dia, e ao fechamento do clube.

Na sequência, mesmo com a libertação, oficiais de baixa patente passaram a organizar levantes na Vila Militar, na Escola Militar de Realengo e no Forte de Copacabana. O governo federal reprimiu o movimento, prendendo vários oficiais, inclusive Hermes da Fonseca, que seria solto novamente cerca de seis meses depois por meio de um habeas corpus. O episódio do forte carioca é considerado a primeira manifestação do movimento tenentista, que nos anos seguintes chegaria a São Paulo.

Carlos Fico relembra ainda que o próprio Artur Bernardes acabou preso pela participação na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Nesse caso, porém, ele discorda de que seria uma tentativa de golpe de Estado, porque o principal motivador do movimento paulista, que pegou em armas, era estabelecer uma nova Constituição, ainda que houvesse descontentamento com o tratamento recebido por parte do presidente Getulio Vargas, responsável à época por nomear interventores federais no estado.