BRASIL

PF deve concluir inquérito sobre "Abin paralela" até o fim do ano

Ramagem, já indiciado por participação na ofensiva golpista, é um dos alvos da investigação

O deputado federal Alexandre Ramagem - Mário Agra/Câmara dos Deputados

Após a conclusão do inquérito sobre o plano golpista, a Polícia Federal deve encerrar até o fim do ano a investigação sobre o funcionamento de uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar e atacar desafetos do governo de Jair Bolsonaro.

A apuração tem como alvos o ex-diretor da Abin e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), além do policial federal Marcelo Bormevet e do subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, que também integravam os quadros da cúpula da agência.

Os três já constam na lista de indiciados no inquérito da trama golpista que visava manter Bolsonaro no poder e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A PF viu relação entre as duas investigações, compartilhou provas, e dedicou um capítulo no relatório sobre as conexões entre a "Abin paralela" e o plano de golpe de Estado.

 

Segundo os investigadores, uma parte da agência — ou o "núcleo de inteligência paralela — comandada por Ramagem foi "aparelhada" para viabilizar a manutenção de Bolsonaro na cadeira de presidente.

A PF aponta que Ramagem orientou o presidente a atacar a credibilidade das urnas e adotar uma estratégia mais hostil no enfrentamento contra “o sistema”. Documentos com esse teor foram encontrados em arquivos de um e-mail de Ramagem captado pelos investigadores.

Em depoimento, Ramagem reconheceu que costumava escrever textos "para comunicação de fatos de possível interesse" de Bolsonaro, mas ressaltou, porém, que não se lembrava se essas mensagens foram passadas adiante. Ele nega qualquer participação na ofensiva golpista e a existência de uma estrutura paralela na Abin.

Em um dos textos guardados no arquivo "Presidente TSE informa.docx", há uma orientação para traçar uma estratégia de reforçar politicamente a "vulnerabilidade" das urnas eletrônicas. "O argumento na anulação de votos não teria esse alcance todo. Entendo que argumento de anulação de votos não seja uma boa linha de ataque às urnas. Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada subjetivamente (...) A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018, antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente", diz o documento.

Em outro arquivo intitulado de “Presidente.docx”, Ramagem sugere a necessidade de uma “atitude belicosa com estratégia”.

“O Sr. mais do que ninguém conhece o sistema e sabe que não houve apenas quebra de paradigma na sua eleição, mas ruptura com esquema dos poderes (...) nenhuma crise conseguiu enfraquecer sua base e não aparenta haver políticos à altura de vencê-lo em 2022. Portanto, parece que a batalha maior será agora, requerendo atitude belicosa com estratégia", diz o texto.

Depoimento de policial federal
A relação entre os dois casos também ganhou um novo elemento na última terça-feira, quando o policial federal Wladimir Matos Soares, também incluído na lista de indiciados, prestou um longo depoimento à PF. Ele relatou que foi cooptado a fornecer informações sobre a segurança do presidente Lula a auxiliares de Bolsonaro por um outro policial federal chamado Alexandre Ramalho. Este agente havia trabalhado na Abin como assessor de Ramagem.

Ramalho deve ser intimado a prestar um novo depoimento à PF sobre os relatos de seu colega de trabalho.

As investigações da Abin paralela também identificaram conversas entre Bormevet e Giancarlo — ambos ex-servidores do centro de inteligência da Abin — falando sobre a minuta golpista. Em dezembro de 2022, Bormevet perguntou a Giancarlo sobre se o "nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?".

O militar respondeu: "Assinou nada. Tá foda essa espera, se é que vai ter alguma coisa". Bormevet, então, replicou: "Tem dia que eu acredito que terá, tem dia que não".

Nesta quinta-feira, a PF indiciou Bolsonaro, Ramagem, Bormevet e Giancarlo e outras 33 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.