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Depois de vender bala na rua, ator destaque em "Os quatro da candelária" sonha com novela na Globo

Samuel Silva, de 15 anos, conta como foi descoberto em centro comercial de São Gonçalo e recebe elogios dos colegas: 'Nasceu ator', diz Bruno Gagliasso

O ator Samuel Silva - Redes sociais/Reprodução

Num centro comercial lotado em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, no fim de 2021, um menino com uma caixa de bala na mão abordou Leandro Firmino, famoso pelo filme “Cidade de Deus”, e mandou na lata: “Ô, Zé Pequeno! Como é que eu faço pra ser ator que nem tu?”

Firmino não costuma pegar o telefone de quem o aborda, mas o brilho nos olhos, a desenvoltura e a simpatia do garotinho fizeram o ator quebrar sua própria regra.

Anotou o número da avó da criança e ajudou no primeiro passo da carreira de Samuel Silva, hoje um dos protagonistas de “Os quatro da Candelária”, minissérie da Netflix que vem repercutindo desde que chegou ao streaming, em outubro.

Criada por Luis Lomenha e produzida por Jabuti Filmes e Kromaki, a produção dramatiza 36 horas na vida de quatro jovens que viviam nas imediações da igreja do Centro do Rio antes da chacina cometida por policiais em 1993.

Samuel vive o sagaz Douglas, que quer arranjar dinheiro para enterrar dignamente o pai adotivo — justamente Leandro Firmino, que encaminhara o contato dele à produção.

"No dia em que o conheci, quando falei que podia tentar algum teste, nada garantido, ele disse: “tudo bem, eu faço”. O que acontece muito é gente dizendo “me indica aí”" diz Leandro.

"E ele foi tentar, com muita energia e força"

A atuação visceral e comovente de Samuel — na época das gravações, com 13 anos e sem experiência — impressionou.

Logo depois, conseguiu espaço nas séries “Um dia qualquer”, drama policial no catálogo da Max, e em “Capoeiras”, que estreia no Disney+ em 2025.

E quando “Os quatro da Candelária” estreou, a comoção que vinha causando nos sets se tornou pública. Audiência e crítica se perguntaram: de onde surgiu esse garoto?

Samuel, agora com 15 anos, responde:

"Eu vendia bala no sinal. Fui comprar uma caixa e vi muita gente tirando foto com o Leandro. Humildemente, perguntei se ele poderia me ajudar a virar ator" diz, confirmando que o chamou de “Zé Pequeno”.

"Mas hoje eu o chamo de Leandro Firmino porque ele me ensinou uma coisa: personagem é personagem. Não posso chamar uma pessoa pelo nome do papel"

"Viemos do nada"
Samuel é o caçula dos quatro filhos de Valquíria Silva, criados por ela e pelos pais dela — a mãe também vendia bala e acompanhou toda a conversa com o Globo discretamente emocionada.

Ele é fã do filme “Cidade de Deus”, que já assistiu mais de dez vezes.

Agora, anda aproveitando a fama para fazer parcerias no Instagram com lojas de São Gonçalo; diz que quer deixar a “família bonita, no conforto, longe dos perigos”. Atribui seu talento a “uma mente boa”:

"Eu parava, olhava duas, três vezes, e pegava (o texto). Às vezes, tinha cenas que eu fazia de primeira" diz o adolescente, que hoje mora no bairro do Coelho, também em São Gonçalo. 

"Fico feliz porque ninguém espera nada da gente, né? Vim do nada"

Quando criancinha, Samuel queria o mesmo que tantos outros meninos: ser jogador de futebol. Tem talento.

"Sei jogar bola! Até recebi convite para jogar no Fluminense, mas não tinha dinheiro para ir (aos treinos). Então minha mãe deixou para lá"

Com um sonho interrompido, partiu para outro.

Foi tocar instrumentos na Orquestra da Grota, projeto educacional de Niterói que frequentava aos sábados. Lá aprendeu a tocar flauta e violino.

Exercício intuitivo
E confirmando: nunca, até os 13 anos, ele tinha tido qualquer experiência com teatro ou atuação.

Por isso, a maturidade cênica de Samuel e os exercícios totalmente intuitivos que fez para acessar sentimentos profundos são tão tocantes.

Marcia Faria, que divide a direção de “Candelária” com Luis Lomenha, conta um bastidor.

Numa cena em que o personagem Douglas relata como os pais biológicos morreram, Samuel teve dificuldades de entregar a carga de emoção necessária.

Até que pediu à equipe um banquinho, um copo americano e um tempo sozinho.

"Ficou ali, sentado, olhando para o banco, com o copo apoiado em cima, até começar a cantar baixinho “Naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim...”" diz Marcia, fazendo referência à canção de Sérgio Bittencourt, sucessos nas vozes de Nelson Gonçalves e Elizeth Cardoso.

"Ele evocou a presença do avô, uma figura paterna por quem nutre profunda admiração, e acessou uma vulnerabilidade rara. Naquela hora, nos ofereceu uma das cenas mais emocionantes do episódio"

Sonho de fazer novela e medo de fantasmas
O avô de Samuel, seu Odair, aquele que deu a ele o apelido de Plim Plim, é, de fato, a maior referência do menino.

Ele morreu há cinco anos, e Samuel sabe, de bate-pronto, dia, mês e ano da partida.

"Eu lembro. É meu avô. Aprendi tudo com ele. Se estivesse aqui, ia estar muito orgulhoso de mim. E parece que ele sabia de tudo que acontecia, mano. E do que está acontecendo hoje. Tudo! Ele dizia que eu ia dar um futuro melhor para minha mãe e minha família. Falava assim: “ó, não vou estar aqui, mas vocês vão ver”"

Bastante ligado à música, seu Odair ia ficar todo bobo ao saber que o neto fez o sambista Péricles se emocionar.

Colega de elenco de Samuel em “Os quatro da Candelária”, o músico conta:

"Chorei vendo as cenas. O jeito como ele vira a chave como ator é muito rápido"

Ver Péricles no set deixou Samuel nervoso. Cruzar com Bruno Gagliasso, outro grande nome do elenco (“Via na televisão, nunca imaginei conhecer”, diz) também. Sobre o novo colega, Bruno sentencia:

"Um ator não é definido pela idade. Samuel nasceu ator. É profundo, denso. Ao mesmo tempo, é fresco, curioso, alegre"

É, acima de tudo, uma criança. Luis Lomenha que o diga — é um colecionador de histórias engraçadas de bastidores.

Como as das cenas de um roubo a uma fábrica de chocolate, em que ele e Wendy Queiroz, a Pipoca, se empanturram de doce a ponto de passarem o dia no banheiro.

Ou então o medo de fantasmas que o menino tem.

"No dia da cena de Jesus (Andrei Marques) beijar o pé de um defunto, Samuel estava numa concentração impressionante. Mas, quando viu o figurante deitado como morto, ele “panicou”" conta Luis.

"Só foi acreditar que não era fantasma quando o ator sentou à mesa conosco. Eu disse: “Samuel, fantasma não come”"

Afora a presença de elementos sobrenaturais, o jovem é cheio de coragem e decisão. Tem os objetivos na ponta da língua.

Os dois maiores: dar uma casa para a mãe e cestas básicas no bairro onde vive — “uma, duas, três vezes... tenho que ajudar”.

E ele não demora nem um segundo para responder sobre o sonho profissional:

"Brilhar! E fazer uma novela na Globo. Muita gente vai falar: “Caramba, Samuelzinho venceu.""