Ainda estou aqui...Muito bem representado
Escrevi este texto umas três horas antes de mais um jogo histórico e decisivo, que fará parte do universo emotivo que sempre foi torcer pelo Sport Club do Recife. Transmito minha emoção particular por vivência e conhecimento da causa. Sou filho de quem morreu subitamente, no transcorrer de um jogo decisivo. Muito embora até hoje não consiga distinguir se morte por amor tem mais intensidade ou não na dor de quem fica. Afinal, a herança da genética desse mesmo sentimento foi transmitida e que, talvez, isso possa expressar um mínimo conforto. Só quem vive paixões sabe como medir isso.Tem razão o poeta Djavan: o amor não cabe em si e, por encantamento, revela-se. Uma vez invadido, não tem fim.
Confesso aqui aquilo que poderia ser um trauma gerado pela perda do meu pai, foi por mim tratado como uma simples lição de amor. No duro instante do sepultamento pensei que poderia um dia lhe dar alguma alegria, que estivesse alinhada com seu velho sentimento pelo clube. Foi desse contexto que, mesmo longe das castas que sempre fizeram dos quadro de dirigentes um ambiente de "cartolas", pudesse me candidatar e ser presidente. Futebol era algo que, modéstia à parte, estava no meu sangue desde quando fui à Ilha pela primeira vez, em 1966. E desse envolvimento, acompanhando de tudo que se passava a respeito. Das resenhas das rádios locais e também da Globo Rio, cujas ondas alcançava por um potente aparelho Philco que tinha em casa. Até mesmo, os "vídeos teipes" que aqui passavam nos canais de TV, dos jogos da terra e daqueles poucos que vinham também do eixo RJ/SP. Entendia que seguir no meu preparo acadêmico, dentro da Universidade, seria o complemento do conteúdo que me daria condições de um dia gerir o clube.
A esse cabedal inicial, agreguei experiências e relacionamentos públicos, para que no momento oportuno colocasse em campo minha aspiração. As tentativas, enquanto experiências agregadas, foram importantes para mim. No entanto, as decepções registradas não foram por conta de derrotas. Nem muito menos, por um certo orgulho pessoal de não ter correspondido, naquilo que julguei como recompensa da lição deixada por um pai, que morreu de amor.
De fato, a experiência eleitoral do Sport (como de outros clubes), nas suas contradições e nos seus preconceitos, em muito proporcionados por uma elite dirigente que pouco pensou em profissionalismo e gestão, foi o maior dos traumas. Sem bagagem de atleta, sem sobrenome, sem poder econômico e sem conchavos políticos, presidência de clubes de futebol se torna, no geral, inacessível para os tratados como comuns. Reconhecidos como "aventureiros" por ousarem numa disputa e por mais que tenham preparo e/ou currículo para o ofício. Eis aí uma realidade que, infelizmente, contagia parte de quem se envolve com o futebol. Da torcida à imprensa. Das instituições às suas legislações (quase sempre antidemocráticas).
Trago à cena essa minha experiência porque, ao passar pelo crivo dos preconceitos absurdos e pelo "tribunal" das críticas dirigidas à vida privada, na condição de mero postulante à presidência, sei o que o atual presidente Yuri Romão enfrentou, nesses últimos anos. E aqui posso lhe fazer uma defesa em prol dos seus méritos, também porque o conheço da sua adolescência. Yuri é irmão de Maurício, meu mestre e amigo do Departamento de Economia da UFPE, tal e qual de Romeu, este meu colega de turma e de muitas horas de estudos e pesquisas conjuntos, da época que fazíamos o Mestrado em Economia. Algumas vezes, com o irmão Romeu, o jovem Yuri "pegou carona" conosco, para estar nas arquibancadas. Sim, dos espaços populares dos estádios, porque não tínhamos padrão de renda para ocuparmos algo melhor.
Assim, esse outro filho de Sr. Manoel (funcionário do Banco do Brasil) e de Dona Maria Elízia, iniciou e fortaleceu sua paixão pelo Sport, até atingir aos poucos seu status de dirigente. Vi nele algo muito parecido com meu roteiro. Chegamos até o momento de coincidirmos na ocupação de distintas vice-presidências. Daí, até sua condição de atingir o topo, circunstâncias bem diferentes das minhas, foi algo rápido. E aqui, publicamente, confesso que sua ascensão teve um significado maior para mim: é que o auge dessa sua liderança me fez sentir representado. Alguém com trajetória similar à minha, chegou lá.
Claro que nem essa conquista, nem muito menos a correção dos seus atos e a responsabilidade de uma gestão profícua e eficaz, poderam-lhe fazer digno do pleno reconhecimento. Pelo "insucesso" do futebol, as criticas se tornaram ásperas e frequentes. E nesses tempos de virulência e agressões irracionais, dispensaram-lhe um tratamento até desumano. Isso mesmo. Com efeitos desagradáveis não só para ele e sua equipe de trabalho. Afinal, extrapolaram com essas atitudes a ponto de trazer-lhe sofrimentos familiares. Logo Yuri que há 5 anos teve uma perda súbita e irreparável. Isso é só uma parte das crueldades que o futebol brasileiro terminou por gerar e absorver, como se algo normal fosse.
Bem, na esperança de que a conquista se dará, tenho certeza de que muitos desses valores absurdos serão abandonados. O calor da vitória faz por abandonar, ou mesmo, por no canto do esquecimento, tudo aquilo que foi cruel até então. Minha intenção aqui é, simplesmente, deixar registrado que, independente do que possa acontecer depois de 24 de novembro, alguém teria que enaltecer esse trabalho de Yuri, na dura missão de presidir o Sport.
No embalo do sucesso do filme, digo que "ainda estou aqui", justo para não fazer daquele passado de negar o olhar futuro do Sport, somente pela emoção de viver o presente. Pois minhas velhas e modestas ideias que foram ignoradas no passado, estão aí recuperadas pela gestão competente de Yuri. Isso é real e meritório.
Não só estou aqui, pouco mais de duas décadas depois. Orgulho-me por estar bem representado. E que a prosperidade da gestão venha com a vitória que esperamos há três anos. Desse ponto, o Sport será outro.
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*Economista, colunista desta Folha de PE e torcedor do Sport
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