Carrefour e Atacadão têm estoque de carne ao menos até quarta
Empresários, Congresso e governo brasileiros pedem uma retratação
Com a interrupção no fornecimento de novas entregas de diversos frigoríficos como JBS, Marfrig e Masterboi desde a última quinta-feira, lojas da rede Carrefour e Atacadão têm estoque até pelo menos quarta-feira em cidades como Rio e São Paulo, onde a demanda costuma ser maior.
Procurada, a rede varejista não quis comentar. Uma fonte do setor lembrou que as vendas estão sendo monitoradas em tempo real.
Uma outra fonte me disse que os estoques no Atacadão devem acabar primeiro, pois a rede recebe a mercadoria direto dos frigoríficos. Já o Carrefour, por ter centro de distribuição, tem um estoque maior. Por enquanto, o Grupo Carrefour diz que não há falta de produto em suas lojas.
"Em geral, o estoque dura de três a quatro dias", disse uma das fontes.
O movimento de boicote ao Carrefour no Brasil vem ganhando força com empresários brasileiros apoiando o movimento de frigoríficos, que deixaram de vender carne para a rede francesa de supermercados no país.
Isso aconteceu depois de o CEO global da companhia suspender as compras do produto brasileiro na França como forma de protesto contra o avanço do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Agora, empresários de outros segmentos pregam a suspensão de compras em lojas brasileiras do Carrefour, uma forma de retaliar a atitude do executivo.
Empresários, Congresso e governo brasileiros pedem uma retratação. Edson Pinto, diretor-executivo da Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp), afirmou que seus associados começaram a aderir ao movimento que suspende compras na rede em nome da "defesa da economia nacional" e dos produtos brasileiros no exterior.
"Estão começando a aderir. Somos 500 mil empresas apenas no estado de São Paulo. Outras entidades, como no Paraná, aderiram. Monitoramos todos os comentários nas redes sociais e nas mídias, e 98% dos comentários são favoráveis à nossa ação e afirmam que vão aderir também ", disse Pinto.
Na sexta-feira, a associação convocou todos a deixarem de comprar nas redes Carrefour, Atacadão e Sam's Club, do Grupo Carrefour.
O Carrefour informou estar em "diálogo constante na busca de soluções que viabilizem a retomada do abastecimento de carne em nossas lojas o mais rápido possível, respeitando os compromissos que temos com nossos mais de 130 mil colaboradores e com milhões de clientes em todo o Brasil". Afirmou ainda que seguirá "trabalhando para resolver essa situação da melhor forma possível, sempre com o objetivo de atender com qualidade e excelência aos nossos clientes".
A rede disse que "não tem nenhuma loja desbastecida até esse momento".
Nesta terça-feira, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) vai se reunir com associações e empresas que fazem parte de seu conselho administrativo — e que terá entre os temas em pauta a questão envolvendo Carrefour.
A Abrasel, que reúne bares e restaurantes de todo país, também está organizando uma articulação de grande abrangência, com impacto direto no setor, segundo fontes.
No último sábado, as entidades publicaram uma carta aberta em protesto.
"Se uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado. Afinal, se o Brasil, com suas práticas sustentáveis, sua legislação ambiental rigorosa e sua vasta área de preservação, não atenderia aos critérios do Carrefour para o mercado francês, então, provavelmente, não atenderia aos critérios de nenhum outro país", afirmaram.
Entenda o imbróglio
O impasse é motivado por conta de um possível acordo entre União Europeia e Mercosul, previsto para acontecer até o fim deste ano, o que vem gerando manifestações na França por agricultores.
Durante a cúpula do G20, no Rio, na semana passada, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que o país "não está isolado" em sua oposição ao estado atual do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, cuja negociação começou em 1999. Empresários europeus temem a concorrência com produtos agrícolas do Brasil e da Argentina, principalmente.
Macron é apontado como o principal obstáculo para o avanço do acordo. Durante o encontro no Rio, a Itália manifestou apoio à posição do presidente francês.
No entanto, a Comissão Europeia, com o apoio de vários países importantes do bloco, como Alemanha e Espanha, é favorável ao fechamento do acordo de livre-comércio com o Mercosul antes do fim deste ano.
Se a Comissão Europeia levar o tratado adiante sem o consenso francês, Macron precisará do apoio de outros países para bloquear a aprovação, formando a chamada "minoria de bloqueio", que exige ao menos quatro dos 27 países da UE, desde que a aprovação fique abaixo de 65% dos integrantes.