TRAMA GOLPISTA

"Cinco não querem, três querem muito": áudios mostram que Alto Comando militar resistiu à trama

Falta de apoio nos escalões mais elevados das Forças Armadas foi apontada como motivo para plano não ir adiante por envolvidos

Fachada do Prédio da Polícia Federal em Brasília - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Áudios obtidos pela Polícia Federal reforçam a resistência da cúpula do Exército a aderir às articulações golpistas envolvendo integrantes do governo de Jair Bolsonaro no fim de 2022, após a derrota eleitoral do ex-presidente. Em uma das conversas, um dos militares suspeitos de tramar um golpe de Estado aponta a falta de apoio no Alto Comando da Força como motivo para o plano não ir adiante.

Na mensagem, o coronel reformado Reginaldo Vieira de Abreu, na época assessor no Palácio do Planalto no governo Bolsonaro, diz que a posição em favor de uma ruptura institucional era minoritária no Alto Comando do Exército, formado por um total de 16 generais quatro estrelas.

Vieira de Abreu atuava como chefe de gabinete do general Mario Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência.

—Cinco não querem, três querem muito e os outros zona de conforto. Infelizmente. A lição que a gente deu para a esquerda é que o Alto Comando tem que acabar — disse Vieira de Abreu.

Fernandes foi um dos 37 iniciados pela Polícia Federal ao concluir o inquérito sobre a tentativa de golpe na semana passada. A PF aponta Mario Fernandes como responsável pela elaboração do plano “Punhal verde e amarelo”, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre do Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Braga Netto ‘indignado’
Em outro áudio interceptado pela PF, Mario Fernandes sugere uma troca no comando do Ministério da Defesa para driblar a resistência da cúpula do Exército. A ideia era colocar o general Walter Braga Netto, apontado pela Polícia Federal como principal articulador do plano de golpe. A pasta era comandada na época por Paulo Sérgio Nogueira.

—Ontem, falei com o presidente. Porra, cara, eu tava pensando aqui, sugeri o presidente até, porra, ele pensar em mudar de novo o MD (Ministério da Defesa), porra. Bota de novo o general Braga Netto lá. O general Braga Netto tá indignado, porra, ele vai ter um apoio mais efetivo — diz Fernandes em mensagem enviada no dia 10 de novembro de 2022 a Marcelo Câmara, então assessor especial de Bolsonaro.

Braga Netto já havia comandado a pasta de março de 2021 a abril de 2022, quando deixou o cargo para poder concorrer ao cargo de vice na chapa à reeleição de Bolsonaro.

As investigações da PF indicam que os comandantes do Exército e da Aeronáutica no governo passado negaram apoiar qualquer iniciativa golpista em reuniões com Bolsonaro. Segundo depoimentos colhidos no inquérito, apenas o então chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, disse apoiar um eventual golpe.

Desde as revelações da participação de militares em episódios de ameaças à democracia em 2023, o Ministério da Defesa tem afirmado ser preciso individualizar as condutas de oficiais envolvidos e que não houve adesão das cúpulas aos supostos planos golpistas.

— Os indícios são sobre CPFs, e não sobre CNPJs. Nesse tempo, o que ficou provado em relação às Forças Armadas foi a capacidade de ajudar a resolver os problemas do país, como nas repatriações de brasileiros, no resgate e reconstrução do Rio Grande do Sul e em tantas outras tragédias climáticas, em diferentes regiões — disse o ministro da Defesa, José Mucio, ao GLOBO.

O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse em depoimento que se opôs aos planos golpistas de Bolsonaro durante reunião no Palácio da Alvorada. Ele relatou que foram apresentadas a ele duas versões da minuta do golpe pelo próprio ex-presidente, avisando que aquilo tinha que ser implementado. Segundo o general, ele chegou a ameaçar prender o então presidente caso levasse o plano adiante.

Também em depoimento, Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica, afirmou que, se não fosse a recusa do comandante do Exército, o golpe provavelmente teria ocorrido.