Só 16% das maiores empresas do mundo devem zerar emissões até 2050 e metade passou a poluir mais
Relatório da Accenture mostra que poucas empresas caminham para zerar emissões até 2050, enquanto grandes poluidoras aumentam pegada de carbono
Até 2050, apenas uma pequena parcela das maiores empresas do mundo terá zerado as emissões de carbono de suas operações. Neste grupo, que inclui 2 mil companhias, 45% têm aumentado emissões e apenas 16% delas estão no rumo para atingir a meta de neutralidade climática nas próximas duas décadas e meia.
Os dados fazem parte de um relatório da Accenture, que avalia o progresso do setor privado em relação aos compromissos climáticos. Para a consultoria, os avanços das grandes corporações não são suficientes para atender às metas globais de descarbonização.
O marco de 2050 é amplamente adotado por países e empresas em compromissos climáticos alinhados ao Acordo de Paris, que prevê limitar o aquecimento médio global a 1,5°C. A Accenture ressalta que a lentidão das grandes companhias acontece a despeito de um maior pressão regulatória e do aumento da competitividade entre empresas que adotam estratégias climáticas.
A análise considera as maiores empresas do mundo em termos de receita. Dentre elas, 37% assumiram compromissos de alcançar a emissão líquida zero, o chamado net-zero, para todos os escopos da operação. No ritmo atual, os objetivos, no entanto, devem ser alcançados por menos de um quinto das companhias.
Felipe Bottini, líder da área de sustentabilidade da Accenture no Brasil, diz que o principal desafio para as grandes empresas segue a descarbonização das emissões indiretas, que acontecem ao longo da cadeia de produção (o chamado Escopo 3). Ele acrescenta que há um hiato entre metas climáticas estabelecidas pelas companhias e o processo para alcançá-las:
— Se a gente tivesse que resumir, metade das empresas tem conseguido entregar algum tipo de resultado positivo. Desses, 16% vão conseguir chegar na meta que estabeleceram. A outra parte, não só não estão entregando o que prometeram como estão aumentando as emissões — afirma Bottini.— À medida que os esforços avançam, fica claro que algumas ações são muito mais onerosas do que se podia imaginar.
Setores que aumentaram emissões
A lentidão é maior justamente entre as empresas que são grandes poluidoras. Apenas 6% das companhias que mais têm impacto climático estão no caminho para zerar suas emissões até 2050, percentual que é de 36% entre as que menos emitem. "Se os maiores emissores estivessem no caminho certo, eles teriam o maior impacto na redução das emissões globais", ressalta o relatório.
Os setores de energia, saúde e tecnologia (software e plataformas) lideram entre as empresas que mais aumentam suas emissões. Na indústria de energia, 62% das companhias ampliaram a pegada de carbono, e apenas 8% estão no caminho para alcançar a neutralidade até 2050. Na saúde, os percentuais são os mesmos, enquanto, no setor de tecnologia, 68% das empresas aumentaram emissões e apenas 12% caminham para atingir o net-zero.
Bottini prevê que o relatório do próximo ano ainda apresente desafios significativos. A avaliação dele é que o mundo "não conseguiu fazer um retorno econômico pós-pandemia em bases mais limpas do que as que se tinha antes". O principal gargalo continua sendo energia, acrescenta. Para ele, no entanto, avanços regulatórios devem influenciar os compromissos daqui para frente:
— Estamos vendo uma onda de regulação acontecer, inclusive no Brasil, com a aprovação do PL de Mercado de Carbono. Esse movimento deve influenciar nas metas voluntárias — avalia o especialista, que espera uma "régua mais alta". — Qualquer externalidade negativa, como são as emissões, não vão se autorregular porque é muito oneroso para empresas. É preciso haver regulação.
De acordo com a Accenture, a Europa lidera a transição, com 21% das empresas no caminho para o net-zero e 33% ainda aumentando emissões, o menor índice global. Em contraste, a Ásia-Pacífico enfrenta os maiores desafios, com 11% das companhias alinhadas às metas e 56% que têm ampliado emissões.
O estudo não avalia separadamente as situações de África, Oceania e América Latina. Juntas, essas regiões apresentam uma situação intermediária, com 17% das empresas no rumo da neutralidade e 41% ainda registrando crescimento nas emissões. Os percentuais são os mesmos para a América do Norte. O restante (41%) das empresas dessas regiões está reduzindo emissões, mas não no ritmo necessário para atingir as metas de neutralidade até 2050.
Impacto da IA
Entre as companhias analisadas, quatro iniciativas destacam-se como as mais implementadas: otimização energética, gestão de resíduos, incorporação de fontes renováveis e aplicação de conceitos de economia circular. Em contrapartida, as estratégias menos exploradas são reformulação de modelos de negócio, precificação de carbono, adoção de tecnologias sustentáveis e o uso de inteligência artificial voltada à redução de emissões.
Pela primeira vez, o relatório tratou do impacto da IA na rota de descarbonização das empresas. Embora a tecnologia possa ser útil para otimizar processos e monitorar emissões, a Accenture aponta que a infraestrutura necessária para desenvolver esses sistemas tem pressionado o consumo energético no mundo.
A previsão da consultoria é de que as emissões de data centers aumentarão mais de dez vezes entre 2024 e 2030, passando de 68 para 718 milhões de toneladas, caso não haja inovações significativas que reduzam esse impacto.