Relatório da PF aponta crimes de Bolsonaro que somam 28 anos de prisão como pena máxima
Documento lista tentativas de abolição violenta do estado democrático de direito e de golpe de Estado, crimes previstos no Código Penal
Os crimes atribuídos pela Polícia Federal ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no relatório que concluiu que houve uma tentativa de golpe no país em 2022 podem chegar a 28 anos de prisão como pena máxima. O documento foi tornado público nesta tarde em decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Penas previstas para cada crime:
Tentativa de golpe de Estado: 4 a 12 anos
Tentativa de abolição do Estado democrático de direito: 4 a 8 anos
Organização criminosa: 3 a 8 anos
Para a polícia, o ex-presidente, ex-ministros e aliados atuaram com o objetivo de evitar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter Bolsonaro na cadeira presidencial após a eleição de 2022.
A defesa do ex-presidente tem dito que Bolsonaro "jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".
Um dos elementos obtidos pela investigação foi a confirmação de um encontro entre Bolsonaro e o então comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022 no qual foram apresentadas ações que possibilitariam um golpe. O ex-comandante do Exército Freire Gomes disse em depoimento à PF que, no encontro, Bolsonaro detalhou a possibilidade de "utilização de institutos jurídicos" como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa ou Estado de Sítio para impedir a posse de Lula.
Segundo Gomes, ele e o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior adotaram uma postura contra a proposta, enquanto o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos “teria se colocado à disposição do presidente da República”. Conforme Baptista Junior, Freire Gomes chegou a ameaçar Jair Bolsonaro de prisão, caso o então presidente prosseguisse com o plano de golpe de Estado.
Outro elemento citado na investigação é uma reunião com teor golpista em julho de 2022 no Palácio do Planalto com integrantes do primeiro escalão do governo. Na ocasião, Bolsonaro incitou uma ação antes das eleições, e foi seguido por alguns minutos na fala pró-golpe.
— Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições — disse o então presidente.
Bolsonaro sempre negou que tenha articulado uma tentativa de golpe. Em São Paulo, durante um ato convocado por ele em fevereiro, o ex-presidente disse que golpe "é tanque na rua, é arma, é conspiração, é trazer classes empresariais para seu lado".
— Nada disso foi feito no Brasil. Nada disso eu fiz, e continuam me acusando por golpe. Golpe usando a Constituição? — questionou.
Entenda os crimes
O primeiro crime, de tentativa de golpe de Estado, está previsto no artigo 359-M do Código Penal — "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". No relatório, a PF entendeu que o ex-presidente mobilizou ministros, militares e assessores para por em prática um plano com o intuito de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro nunca reconheceu a vitória eleitoral de Lula.
Segundo a PF, há indícios que comprovam que o ex-presidente analisou e pediu alterações no texto de uma minuta golpista. Entre as propostas aventadas nesse texto estava a possibilidade de prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Conforme as apurações, Bolsonaro pediu para retirar os nomes de Gilmar e Pacheco da minuta.
A prisão das autoridades faria parte de um plano para interferir nas eleições de 2022 e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, na visão de Bolsonaro, teria tomado decisões "inconstitucionais" em desfavor dele. Para salvarguardar as tais prerrogativas constitucionais, as Forças Armadas seriam acionadas e agiriam como um "poder moderador", com o objetivo de reverter o resultado eleitoral.
Conforme a PF, Bolsonaro e seus auxiliares atuaram para disseminar notícias falsas e descredibilizar o processo eleitoral brasileiro, com o intuito de criar um ambiente favorável para uma intervenção militar. Fazia parte dessa iniciativa a reunião que ele convocou com embaixadores para fazer ataques ao sistema de votação brasileiro — o caso acabou o levando a ser condenado pelo TSE por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Nessa seara, entra a acusação de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito descrita no artigo 359-L do Código Penal. "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais", diz o texto.
Segundo a PF, o emprego de violência seria feito por meio de integrantes das Forças Especiais do Exército, que seriam acionados para prender Alexandre de Moraes. Os investigadores apontam que o magistrado chegou a ser monitorado no final do governo Bolsonaro.
A organização se daria na junção de mais de três pessoas, em grupo organizado, "de forma estruturada e com divisão de tarefas, valendo-se de violência, intimidação, corrupção, fraude ou de outros meios assemelhados, para o fim de cometer crime". Segundo a PF, a trama golpista envolveu a participação de militares, assessores e ministros do governo Bolsonaro.
Um ponto chave da articulação golpista teria, conforme a PF, ocorrido durante uma reunião ministerial em julho de 2022. O encontro foi gravado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. No encontro, o ex-presidente diz a seus ministros que "os caras estão preparando tudo para Lula ganhar no primeiro turno" e que seria preciso "fazer alguma coisa antes" do pleito. No entendimento dele, "se a gente reagir depois das eleições", o Brasil viraria um "caos" e "uma grande guerrilha".