Cessar-fogo no Líbano divide palestinos sobre qual será o impacto na guerra entre Israel e Hamas
Para alguns, trégua entre Israel e Hezbollah poderá forçar um fim das hostilidades no enclave; outros acreditam em um recrudescimento na ofensiva contra o grupo palestino
Sofrendo há mais de um ano com a guerra entre Israel e Hamas, os moradores da Faixa de Gaza têm visões e expectativas diferentes entre si quanto ao anúncio de cessar-fogo no Líbano. Enquanto alguns esperam que a trégua entre Israel e movimento xiita libanês Hezbollah possa abrir um caminho para um futuro acordo entre Israel e Hamas, outros palestinos temem que a trégua signifique um recrudescimento das ações israelenses no território palestino, ao transformá-la mais uma vez no único foco das forças do Estado judeu.
Os bombardeios e combates em Gaza nunca cessaram completamente. Em cerca de 13 meses, a única trégua que a guerra experimentou foi em novembro passado, que permitiu a libertação de mais de 100 reféns e o aumento (ainda ínfimo) da entra de ajuda humanitária. Ainda assim, as incursões no enclave diminuíram um pouco após o deslocamento de vários batalhões para a fronteira norte israelense, onde Israel trocava hostilidades diariamente com o Hezbollah.
O movimento xiita realizou o primeiro ataque contra Israel um dia após o ataque terrorista do Hamas, que desencadeou a guerra em Gaza. Assim como Hamas, o Hezbollah é apoiado pelo Irã e afirmou ter feito os disparos em solidariedade aos palestinos. Nesse contexto, após a guinada sem precedentes no seu conflito com Israel, o grupo libanês condicionou diversas vezes um cessar-fogo ao fim também das hostilidades em Gaza.
Por isso muitos em Gaza alimentam a esperança de que o fim do conflito entre Israel e Hezbollah também forçaria um fim da Guerra em Gaza. Mas o sentimento não é unânime. Na visão de Abdulrahman, morador do norte de Gaza, um cessar-fogo não mudaria o curso do conflito.
Ao jornal israelense Haaretaz, ele disse que o Exército de Israel matou boa parte dos líderes do Hamas e que agora "está em uma fase de seleção de alvos", mas não "tão intensa" quanto antes. Até o momento, Israel afirma ter matado o então chefe do gabinete político Ismail Haniyeh, o líder político Yahya Sinwar, e o líder do braço político Mohammad Deif.
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O palestino observou que o mesmo aconteceu com o Hezbollah — Israel matou o chefe do movimento, Hassan Nasrallah, no fim de setembro, pouco depois de ter matado outros funcionários de alto escalão. Mas ele observa que, comparado ao grupo libanês, fica a dúvida se "as essas perdas [do Hamas] são significativas o suficiente para pressionar Israel a encerrar a guerra".
Ele observa que o cessar-fogo pode garantir "um momento para recuperar o fôlego":
— [O curso da guerra] não seria afetado particularmente porque todas as expectativas pendem para um acordo israelense-libanês que provavelmente favorecerá Israel, pois ele tem vantagem sobre seus aliados e neutralizou a maioria dos líderes do Hezbollah — concluiu.
Ao apresentar as razões principais pelas quais considera este o momento certo para o acordo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que, uma delas, é é desvincular as frentes norte e sul do conflito e isolar o grupo terrorista Hamas em Gaza.
— Com o Hezbollah fora do quadro, o Hamas fica sozinho na campanha. Nossa pressão aumentará — disse em discurso televisionado.
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Netanyahu apresentará um acordo de cessar-fogo no Líbano para aprovação final pelo governo israelense. Ainda que relatos iniciais indicassem que a proposta de cessar-fogo, mediada por diplomatas americanos e franceses, estabelece um prazo de 60 dias de trégua, Netanyahu declarou em discurso televisionado que a duração do acordo “dependerá do que acontecer no Líbano”.
Para Mohammad, que é de Gaza, mas conseguiu buscar refúgio no Egito, há ainda outro impacto, para além do aumento da violência: o psicológico.
— Ver os libaneses retornando para suas casas, limpando suas ruas... Mesmo que nos sintamos felizes por eles, será doloroso para nós. A pergunta 'Por que não temos isso também?' surgirá inevitavelmente — disse.
Enquanto um cessar-fogo no Líbano era costurado, as bombas continuavam caindo sobre os palestinos. A Defesa Civil de Gaza afirma que nesta terça-feira, pelo menos 22 palestinos morreram no enclave.
A guerra eclodiu após o ataque terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, que matou 1.207 pessoas, a maioria civis, de acordo com uma contagem da AFP baseada em dados oficiais, incluindo reféns mortos ou mantidos em cativeiro. A represália israelense deixou mais de 44 mil pessoas mortas, a maioria civis, de acordo com dados do Ministério da Saúde do território, considerados confiáveis pela ONU.