Cessar-fogo entre Israel e Hezbollah é baseado em resolução de 2006
Proposta quer uma pausa nos combates por pelo menos 60 dias e estabelecerá órgão internacional para controle de violações; analistas veem dificuldades na execução do plano
Anunciado nesta terça-feira, o plano de cessar-fogo entre Israel e Hezbollah no Líbano tem como ponto central a pausa nos combates por pelo menos 60 dias, acompanhada pela retirada das forças do grupo xiita e israelenses do sul do país. A base da proposta é uma já conhecida resolução do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 2006 e que encerrou um outro conflito entre Israel e Hezbollah.
Pelo acordo, segundo informações da imprensa internacional, o grupo xiita se compromete eliminar sua presença armada ao sul do rio Litani em até 60 dias — isso inclui posições próximas à fronteira, de onde são lançados drones e foguetes desde o início da ofensiva do Hezbollah contra Israel, em outubro do ano passado. De acordo com o Ministério da Saúde libanês, 3.823 pessoas morreram e mais de 15 mil ficaram feridas nos últimos 13 meses.
Por sua vez, os israelenses se comprometem a deixar a região, onde realizam operações terrestres desde o começo de outubro, destinadas a desmantelar a capacidade ofensiva do grupo xiita e viabilizar ataques contra lideranças militares e políticas. Com isso, acredita Netanyahu, será possível permitir o retorno dos milhares de civis que deixaram suas casas no norte de Israel desde o ano passado.
Sem as forças de Israel e do Hezbollah, caberá ao Exército do Líbano, que não tem ligações com o grupo xiita, controlar a faixa de terra entre a fronteira com Israel e o rio Litani, ao lado das forças da missão da ONU para o Líbano, a Unifil, estabelecida em 1978. De acordo com o site Middle East Eye, Washington oferecerá apoio logístico e financiamento aos militares libaneses, que devem ganhar mais 3,5 novos soldados nos próximos meses — a França, país que mantém fortes laços com Beirute, deve fornecer “centenas” de militares para fortalecer a Unifil.
Eventuais violações de ambos os lados deverão ser reportadas, de acordo com o Canal 12 de Israel, a um organismo internacional composto por cinco países, liderado pelos EUA, que discutirá a gravidade do incidente e se será necessária uma resposta armada, a ser conduzida pelo Exército do Líbano.
Israel não poderá, segundo o Middle East Eye, agir com base em suspeitas, mas terá o direito de considerar o acordo nulo e retomar os ataques caso entenda que os militares do Líbano não agiram de maneira adequada — como Netanyahu deixou claro no discurso em que anunciou a aprovação do acordo, esse é um ponto aberto a diferentes interpretações.
— Um bom acordo é aquele que é imposto, e nós o aplicaremos — declarou.
Segundo o premier, “com o entendimento total com os EUA, estamos mantendo total liberdade de ação” contra o Hezbollah, e que “se o Hezbollah violar o acordo e tentar se rearmar, atacaremos”.
— Se tentar reconstruir a infraestrutura terrorista perto da fronteira, atacaremos. Se disparar um foguete, se cavar um túnel, se trouxer um caminhão com mísseis, atacaremos — disse Netanyahu.
Ele concluiu afirmando que “a duração do cessar-fogo dependerá do que acontecer no Líbano”.
Embora o contexto seja novo — uma guerra ampla, iniciada com os ataques do Hamas de 7 de outubro e a invasão de Gaza — o possível desfecho do conflito no Líbano está diretamente ligado às negociações que encerraram a guerra entre Israel e Hezbollah há 18 anos.
Na época, a resolução 1.701 da ONU, aprovada por unanimidade pelo Conselho de Segurança, também determinava a retirada das forças de Israel do Sul do Líbano, e que o Exército libanês e a Unifil “empregassem suas forças” na área entre a fronteira e o rio Litani, localizado a cerca de 30 km de distância. O texto apelava ao governo libanês para “exercer a sua plena soberania, e para que não haja armas sem o consentimento do Governo do Líbano e nenhuma outra autoridade além da do Governo do Líbano”.
Mesmo que o acordo tenha evitado, até outubro do ano passado, um novo confronto de grande porte, os dois lados trocaram acusações e disparos eventuais ao longo das últimas duas décadas — segundo o premier libanês, Najib Mikati, Israel violou o espaço aéreo do país 35 mil vezes desde 2006. Já os israelenses afirmam que o grupo jamais abandonou suas posições armadas na área, incrementou suas redes de túneis subterrâneos e fortaleceu sua capacidade de lançamento de foguetes, contando com o apoio do Irã.
Analistas veem dificuldades na implementação do plano, e citam a nova realidade da região. O Hezbollah, mesmo sob pesados ataques e sem suas principais lideranças, incluindo Hassan Nasrallah, não perdeu completamente sua capacidade militar, e ainda tem ao seu lado o regime de Teerã e algumas de suas redes de suprimentos de armas e insumos intactas. Para o embaixador israelense Alon Pinkas, o cessar-fogo nos atuais termos será “muito difícil de manter e sustentar a longo prazo”, e acredita que algumas das cláusulas são “impossíveis” de serem aplicadas.
— Ele assume que o Exército libanês supervisionará a fabricação, as vendas e a transferência de armas no Líbano, e isso é uma impossibilidade — disse, em entrevista à rede al-Jazeera. — Todos nós sabemos que o Exército libanês sempre evitou qualquer tipo de confronto com o Hezbollah.