BRASIL

Governo defende no STF exclusão de conteúdos por plataformas mesmo sem decisão judicial

Corte começa a julgar hoje ações que tratam sobre a regulamentação das redes sociais

STF - Antonio Augusto/STF

Em memorial entregue aos ministros no Supremo Tribunal Federal (STF) antes do início do julgamento das ações que tratam de regras para redes sociais, a Advocacia Geral da União (AGU) defende a responsabilização das plataformas e a retirada do ar de conteúdos ofensivos sem necessidade de decisão judicial.

O STF começa a julgar nesta quarta-feira três processos que tratam do tema. A AGU ingressou como amicus curiae (amigo da corte) em dois deles. Diante da resistência do Congresso em levar adiante o projeto de lei das Fake News, as ações se transformaram na principal alternativa do governo para impor restrições à atuação das plataformas.

A manifestação da AGU foi feita com contribuições do Ministério da Justiça e da Secretaria de Comunicação Social (Secom), o que a transforma em uma posição do governo federal em relação ao assunto. Em linhas, são propostas balizas interpretativas para aumentar a responsabilidade das empresas.

O texto, assinado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, afirma que, sem desconsiderar seus benefícios, “as plataformas digitais se transformaram em instrumentos para a prática de ilícitos de toda sorte, discurso de ódio e ameaça a direitos fundamentais”.

Cita também “o fenômeno da desinformação disseminado por meio de tais serviços”, que ocorreram durante a pandemia de Covid-19, “até chegarmos à integridade eleitoral e aos condenáveis ataques perpetrados contra as instituições democráticas brasileiras no fatídico 8 de janeiro, com tentativa de golpe de Estado, ao lado da crescente prática de atos de extremismo”.

O memorial da AGU também aponta que “recentes episódios de recalcitrância (desobediência) no cumprimento de decisões judiciais de remoção de conteúdo e bloqueio de perfis, por parte de determinados provedores, em evidente afronta à soberania nacional, ratificaram a necessidade de adequada regulação do tema".

Uma das ações em que AGU se transformou em amicus curiae chegou ao Supremo a partir de um recurso do Facebook. A disputa surgiu em São Paulo, quando uma dona de casa descobriu a existência de um perfil falso na rede social utilizando o nome e a imagem dela para divulgar conteúdos ofensivos. A mulher acionou a Justiça e obteve, em primeira instância, a ordem para a exclusão da página, mas não foi indenizada. Insatisfeita, recorreu da decisão e teve sucesso. A plataforma foi, então, condenada ao pagamento, e tenta reverter a punição na Corte.

O outro trata especificamente do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê a “responsabilização por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros” apenas em caso de a empresa não cumprir determinação judicial para a retirada do conteúdo.

A análise se dará com base em recursos de plataformas que recorrem contra condenações por conteúdos publicados e tem percussão geral.

Ao tratar no texto do artigo 19 do Marco Civil da Internet, a AGU afirma: “Embora o dispositivo tenha por finalidade a proteção da liberdade de expressão e a prevenção da censura, ao exigir ordem judicial específica para remoção, ele não pode ser usado de forma abusiva.” Para o órgão do governo, na prática, as plataformas se transformam em “um escudo para fraudes, ameaças à democracia e discursos extremistas”.

Pela posição da Advocacia Geral da União, a retirada de conteúdos sem necessidade de ordem judicial deveria acontecer em três situações específicas. Na primeira delas, nos casos de fraude, com criação de perfis falsos ou invasão de contas. No segundo, na veiculação de conteúdo impulsionado com teor manifestamente ilegal, inverídico ou ofensivo. A AGU classifica em um terceiro grupo de publicações as que estão sujeitas à aplicação de regras previstas em legislação específica, como a proteção à criança e ao adolescente e a prática de ilícitos, como nazismo, racismo, homofobia e crimes contra o Estado Democrático.

“Nessas hipóteses de manifesta violação à lei, a intervenção judicial prévia deve ser dispensada em prol de uma resposta mais ágil e eficaz, seja por iniciativa própria via mecanismos internos dos provedores, seja por notificação dos ofendidos”, argumenta a AGU.

O memorial defende a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internete para permitir “que os provedores de aplicação possam ser responsabilizados independentemente de uma ordem judicial prévia, considerando os deveres de prevenção, precaução e segurança”.