EUA

Trump indica médico contrário ao lockdown durante pandemia para chefiar importante agência de saúde

Bhattacharya comandará maior instituto de pesquisa médica do mundo

Donald Trump - Jim Watson/AFP

O presidente eleito Donald Trump disse na terça-feira à noite que havia escolhido o doutor Jay Bhattacharya para ser o diretor do Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês). Médico e economista de Stanford, Bhattacharya é autor de um tratado anti-lockdown publicado durante a pandemia do coronavírus, o que o tornou uma figura central no amargo debate sobre saúde pública.

"Juntos, Jay e RFK Jr. restaurarão o NIH a um Padrão Ouro de Pesquisa Médica enquanto examinam as causas subjacentes e as soluções para os maiores desafios de saúde da América, incluindo nossa Crise de Doenças e Enfermidades Crônicas", escreveu Trump nas redes sociais, fazendo referência a Robert Kennedy Jr., indicado pelo republicano para liderar a agência controladora do instituto, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos.

Se confirmado pelo Senado, Bhattacharya lideraria a principal agência de pesquisa médica do mundo, com um orçamento de US$ 48 bilhões (R$ 279,5 bilhões) e 27 institutos e centros separados, cada um com sua própria agenda de pesquisa, com foco em diferentes doenças, como câncer e diabetes.

Bhattacharya, que não é médico atuante, tem pedido a revisão do NIH e a limitação do poder dos servidores públicos que, segundo afirma, tiveram um papel muito proeminente na formulação da política federal durante a pandemia.

Ele é o mais recente de uma série de indicações de Trump para a área da saúde que tiveram um papel de destaque durante a pandemia do coronavírus e que têm opiniões sobre medicina e saúde pública que muitas vezes divergem do senso comum na área. Escolhas que, afirmam os especialistas, sugerem uma reviravolta iminente ao establishment biomédico e à saúde pública do país.

Histórico controverso
Bhattacharya é um dos três principais autores da Declaração de Great Barrington, um manifesto publicado em 2020 que defendia que deveria ser permitido ao vírus se espalhar entre jovens saudáveis que estavam "em risco mínimo de morte" e poderiam, portanto, desenvolver imunidade natural, enquanto os esforços de prevenção eram direcionados a pessoas mais velhas e vulneráveis.

Através de um colega de Stanford, o doutor Scott Atlas, que aconselhou Trump durante seu primeiro mandato, Bhattacharya apresentou suas opiniões a Alex Azar, secretário de Saúde do republicano.

A condenação dos especialistas da saúde pública veio rapidamente. Bhattacharya e seus colegas autores foram prontamente tachados de excêntricos, cujas prescrições de políticas "marginais" provocariam milhões de mortes desnecessárias.

Bhattacharya também foi testemunha em processos judiciais que desafiavam as políticas federais e estaduais contra a Covid-19. Ele se uniu a um grupo de requerentes para processar o governo de Joe Biden pelo que classificou como "censura da Covid", argumentando que o governo violou a Primeira Emenda ao trabalhar com empresas de rede social para frear a desinformação contra a doença.

Também se posicionou contra a obrigatoriedade do uso de máscaras para crianças em idade escolar nos estados da Flórida e do Tennessee. Juízes de ambos os estados o classificaram como desqualificado para fazer pronunciamentos médicos sobre o assunto.

"Seu comportamento e tom ao testemunhar sugerem que ele está promovendo uma agenda pessoal", escreveu o juiz Waverly D. Crenshaw Jr. do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Central do Tennessee em 2021, acrescentando que "simplesmente não estava disposto a confiar no Dr. Bhattacharya".

Mais recentemente, em meio ao amplo reconhecimento dos danos econômicos e à saúde mental causados pelos lockdowns e fechamentos das escolas, as opiniões de Bhattacharya começaram a receber uma segunda opinião, para a consternação de seus críticos, que acusaram aqueles que propagam suas ideias de "torná-lo aceitável".

Críticas
Talvez a reflexão mais notável tenha vindo de Francis Collins, ex-diretor do NHI. Em 2020, Collins chamou Bhattacharya e seus coautores de "epidemiologistas marginais". No ano passado, o ex-diretor do instituto sugeriu que ele e outros formuladores de políticas públicas pudessem ter focado demais nas metas de saúde pública — salvar vidas a qualquer custo — e não sintonizados o suficiente para equilibrar as necessidades de saúde com as necessidades econômicas.

— Acho que muitos de nós, envolvidos na tentativa de fazer as recomendações, tínhamos essa mentalidade, e isso foi realmente lamentável, é outro erro que cometemos — reconheceu Collins em dezembro passado, durante uma conversa organizada pelo Braver Angels, grupo que aborda a polarização política.

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Collins não mencionou Bhattacharya ou a Declaração de Great Barrington especificamente.

Mas Bhattacharya ainda provoca sentimentos extremamente intensos. O doutor Jonathan Howard, professor associado de neurologia e psiquiatria na NYU Langone Health e que tratou pacientes no auge da pandemia, atacou Bhattacharya em um livro, o "We Want Them Infected" (2023).

Howard disse que Bhattacharya "deturpou fatos básicos" sobre a pandemia. Em março de 2020, por exemplo, Bhattacharya sugeriu em um ensaio de opinião para o jornal Wall Street Journal que a pandemia não era tão mortal quanto estava sendo apresentada, e que o número de mortos poderia chegar a 40 mil americanos. No fim, foram 1,2 milhão de mortos.

Bhattacharya se pronunciou nas redes sociais. Chamou Howard de "desequilibrado" e seu livro de "insano", aconselhando-o a "fazer um curso de epidemiologia caso não queira continuar passando vergonha".

A Declaração de Great Barrington surgiu durante uma reunião em Great Barrington, Massachusetts, convocada pelo Instituto Americano de Pesquisa Econômica, um think tank dedicado aos princípios do livre mercado. Seus autores, que incluíam médicos, cientistas e epidemiologistas, escreveram que tinham "sérias preocupações sobre os impactos prejudiciais à saúde física e mental das políticas em vigor contra a Covid-19". Eles batizaram sua abordagem de "Proteção Focada".

Alarmados e irritados, 80 especialistas publicaram um manifesto próprio, o Memorando John Snow (uma homenagem ao epidemiologista inglês do século XIX), dizendo que a proposta da declaração colocaria os americanos vulneráveis em alto risco de contrair Covid-19 grave — pelo menos um terço dos cidadãos dos EUA, pela maioria das estimativas — e resultaria em talvez meio milhão de mortes.

— Acho que é errado, acho que não é seguro, acho que convida as pessoas a agirem de uma forma que têm o potencial de causar uma quantidade enorme de danos — disse a doutora Rochelle P. Walensky, especialista em doenças infecciosas de Harvard, na época.

Walensky mais tarde se tornou diretora dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças quando o presidente Joe Biden assumiu o cargo.